Iran Coelho das Neves (*)
Déficit de representação da mulher ainda desafia o País
O dia 24 de fevereiro marca os 90 anos da conquista, pelas mulheres brasileiras, do direito de votar e serem votadas. Fruto de uma longa mobilização em grande parte ignorada pela história, o marco assinala também a criação, por decretos do Governo Vargas, do Código Eleitoral de 1932 e da Justiça Eleitoral, e a instituição do voto secreto.
Para uma ideia sobre a importância da mobilização feminista de então, basta referir que o anteprojeto da lei eleitoral, dado a conhecer em 1931, estabelecia que somente as mulheres solteiras e viúvas, com renda própria, teriam direito a voto, enquanto as casadas dependeriam de autorização do marido. O Código Eleitoral de 1932 removeu alguns anacronismos, mas manteve um dos mais acintosos: o voto feminino não era obrigatório, ao contrário do estabelecido para os homens.
Mesmo na Constituição de 1934, subsistiu uma restrição que, hoje inconcebível, era ‘normalizada’ por grande parte das esferas políticas e sociais, marcadamente elitistas, de então: a obrigatoriedade do voto recaía apenas sobre mulheres que fossem servidoras públicas.
Assim, mesmo que o ano de 1933 tenha entrado para a história como o primeiro em que as mulheres puderam votar no Brasil – para a Assembleia Nacional Constituinte que escreveu a Carta de 1934 – somente em 1946, enfim, o voto se tornaria obrigatório para ambos os sexos, assegurando, pelo menos em tese, que as mulheres se candidatassem a cargos eletivos.
Professora da PUC-RS e autora do livro ‘Mulher Deve Votar? O Código Eleitoral de 1932 e a Conquista do Voto Feminino’, Mônica Karawejczyk cita dois breves depoimentos, de ilustres figuras da época, que dão bem a dimensão do que foi a luta das mulheres até que se igualassem aos homens no plano eleitoral:
Ao ‘justificar’ a distinção entre homens (obrigados a votar) e mulheres (voto opcional), um dos membros da Comissão que redigiu o Código Eleitoral de 1934 disparou que assegurar a igualdade seria “destroçar num só momento, sem preparação prévia, uma tradição secular e um sistema de direito privado, em que a mulher casada ainda está em situação desigual à do homem”. (!)
Por sua vez, o então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Antônio Bento de Faria, assestava: “Ao direito de voto corresponde o de ser votado, mas seria de um incomensurável ridículo tornar acessível à mulher a chefia suprema da nação, permitindo-lhe a possibilidade de assumir a direção suprema das forças de terra e mar!!!”
Hoje, quando o Brasil já teve em Dilma Roussef a primeira mulher eleita para a Presidência da República, e o sexo feminino tem presença marcante não só nos cargos eletivos – prefeitas, deputadas, senadoras, governadoras –, mas, também, nos mais altos postos do Poder Judiciário, sempre com notável desempenho, custa crer que há menos de um século se erguessem, sob argumentos de fundo social e ‘moral’ os mais diversos e movediços, barreiras e óbices para impedir a participação da mulher na política e na vida pública em geral.
Nos últimos noventa anos, a mulher brasileira tem confirmado crescente e meritório protagonismo, não só na política, mas em todas as esferas da vida pública, na ciência e na pesquisa, e nos mais diversos setores da iniciativa privada. Em todas essas áreas, porém, ela ainda se defronta com barreiras que, se não são tão acintosas com as que a impediam de votar e ser votada, são igualmente danosas ao manipular formas sutis de preconceitos e de discriminação de gênero.
Assim, as circunstâncias que convergem, neste 2022, o marco dos 90 anos do voto feminino e as eleições para Presidente da República, governadores, Assembleias Legislativas, Câmara Federal e Senado, configuram oportunidade para que não só o eleitorado feminino, mas todo cidadão preocupado com o déficit de representação da mulher na vida política brasileira, expresse nas urnas o seu voto em favor de programas e pautas afinados com a redução da desigualdade de gênero em todas as instâncias da vida nacional.
(*Iran Coelho das Neves é Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul)
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Postado por: Iran Coelho das Neves (*), 26 Fevereiro 2022 às 08:15 - em: Falando Nisso