Defesa do financiamento público das campanhas Fábio Trad (*)

Defesa do financiamento público das campanhas

 

Enquanto as campanhas continuarem sendo movidas pela força despudorada de recursos privados, que jorram de dutos, tanto mais caudalosos quanto mais suspeitas são suas fontes, a legitimidade da Democracia brasileira segue sendo exaurida, pela astuta e perversa subordinação do processo eleitoral a interesses inominados. E tantas vezes escusos.
 
O financiamento milionário de campanhas amesquinha e perverte aquela que deveria ser a essência mesma da Democracia, qual seja, a eleição, como expressão da consciência cidadã e da consagração de propostas majoritariamente acolhidas. 
 
E, porque corrói e corrompe o processo eleitoral, contamina todo o organismo democrático. Como uma infecção insidiosa. 
 
Não estou entre os que veem no impenitente fervor dos defensores do patrocínio privado de campanhas, uma “inspiração ideológica”, focada, dizem, na progressiva anulação do Estado, em benefício do domínio privado, capitalista.
 
A questão me parece mais simples, porém muito mais perversa. Exatamente porque não se firma ou assenta em ‘princípio’ ou ‘ideologia’, mas na motivação criminosa de submeter a política e os políticos ao domínio e aos interesses privados – tanto os teoricamente legais, quanto os de organizações criminosas, que se infiltram e se alastram nas estruturas de Estado, aliciando agentes públicos, ‘arrendando’ mandatos e avassalando instituições.
 
Enquanto não se instituir o financiamento público de campanha, o sistema eleitoral brasileiro segue refém de um vício degenerativo que, na prática, privatiza e mercantiliza o mais orgânico instrumento democrático, que são as eleições.
 
É preciso que tenhamos coragem para admitir que, na verdade, o financiamento privado de campanha pariu e amamenta uma aberração própria da cruza improvável de espécies distintas. A cópula insensata entre as eleições, que legitimam a Democracia como instrumento da igualdade de oportunidades, e a apropriação privada do processo eleitoral, gerou o ‘leasing’ de mandatos, o arrendamento mercantil da manipulada delegação popular. 
 
O preço pago pelo ‘leasing eleitoral’ vai muito além da submissão do mandato aos interesses do financiador, pois abastarda a política, nivelando por baixo todos os mandatários e, por consequência, minando a fé do eleitor na própria Democracia. 
 
A Democracia não tem preço. 
 
Por isso mesmo, o processo eleitoral, a campanha e as eleições que legitimam a construção permanente dessa Democracia, não podem continuar reféns dos recursos privados. Sob pena de sermos responsabilizados, perante a história, de negligência ética e renúncia cívica, por permitir que a privatização da política mercantilize cada vez mais a vontade popular.
 
Alguém já disse que as tempestades não são boas conselheiras. Contudo, é impossível não se ofuscar com os relâmpagos ou não ouvir os trovões aqui no Congresso, com a ‘CPI do Cachoeira’, ou ali no Supremo Tribunal Federal, com o julgamento da Ação Penal 470. 
 
Sem entrar no mérito ou avançar juízos, na origem das duas tempestades está o financiamento privado de campanhas, a utilização de recursos particulares, em escalas e circunstâncias diversas, para instrumentalizar mandatos. 
 
Haveria hora mais propícia para se votar a proposta de financiamento público de campanha que há tanto tempo tramita na Câmara dos Deputados.
 
(*Fábio Trad, deputado federal pelo PMDB-MS, advogado e ex-presidente da Seccional da OAB de MS)


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Postado por: Fábio Trad (*), 10 Novembro 2012 às 09:49 - em: Falando Nisso


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