De Enéas a Jair André Matsushita (*)

De Enéas a Jair

Nosso Brasil é singular, um verdadeiro laboratório para o estudo da humanidade, senão vejamos. Em 1964 o presidente João Goulart (eleito vice-presidente de Jânio Quadros, que renunciara), em meio a intensas turbulências políticas, sociais e doutrinárias internas e externas, é apeado do poder pelas Forças Armadas e é instituído no país um regime militar, sem a legitimidade do voto.
 
Seguem-se cinco presidentes militares, Humberto de Alencar Castelo Branco (1964 – 1967), Artur da Costa e Silva (1967 – 1969), Emílio Garrastazu Médici (1969 – 1974), Ernesto Geisel (1974 – 1979) e por fim João Baptista Figueiredo (1979 – 1985), até o retorno de um presidente civil, Tancredo Neves, eleito indiretamente, que morre antes de exercer o cargo, ocupado pelo seu vice-presidente.
 
De 1985 até hoje o Brasil foi governado por presidentes civis e eleitos. Ocorre que sucessivos governos passaram pelo Planalto, de 1985 a 1990 José Sarney (PMDB), de 1990 a 1992 Fernando Collor (PRN), de 1992 a 1995 Itamar Franco (PMDB), de 1995 a 2003  Fernando Henrique Cardoso (PSDB), de 2003 a 2011 Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de 2011 a 2016 Dilma Rousseff (PT) e de 2016 a 2018 Michel Temer (PMDB) e as mazelas da sociedade continuam as mesmas, e em constante elevação. Fome, violência, péssimos serviços públicos, altíssima carga tributária, dentre tantas outras. Diante da pujança natural do território brasileiro, da absoluta inexistência de desastres naturais como terremotos, maremotos, tsunamis, vulcões, a situação de pobreza da grande maioria da população sempre foi uma incógnita. Qua l a razão de um IDH tão baixo em um país com tamanha plenitude de recursos?
 
Em parênteses insiro no contexto um personagem que se tornou importantíssimo na análise da história política brasileira, a partir das eleições de 2018, o Dr. Enéas Ferreira Carneiro, um médico cardiologista, físico, matemático, professor e escritor. Fundou o já extinto partido político Prona em 1989 ano em que candidatou-se pela primeira vez a Presidência da República. Com o tempo na propaganda eleitoral gratuita de quinze segundos, o utilizou para a rápida difusão de um discurso nacionalista e conservador, finalizado sempre com o inesquecível "meu nome é Enéas". Obteve mais de 360 mil votos, alcançando a 12ª posição entre os 21 candidatos da época. Em 1994 novamente se candidatou, agora com o tempo no horário eleitoral de 1 minuto e 17 segundos. Foi o terceiro mais votado, com mais de 4,6 milhões de votos (7%), ficando à frente de políticos como Leonel Brizola e Orestes Quercia, perdendo para Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Nas eleições de 1998, com 35 segundos na propaganda eleitoral gratuita, apresentou suas propostas conservadoras e de soberania nacional, alcançando a quarta posição, com 1.447.090 votos. Faleceu em 2007, sem conquistar a pretensão de ocupar a Presidência da República. Ao Dr. Enéas retornarei oportunamente.
 
Finalmente em 2014 veio a resposta. A miséria da população brasileira num pais de dimensões continentais e imensas riquezas naturais tem uma razão. É consequência da corrupção sistêmica, uma metástase, um mecanismo de simbiose espúria entre políticos de todas as esferas do poder, empresários, empreiteiros, agentes públicos, marqueteiros, enfim, entre todos que de alguma forma se interessam pela manutenção do sistema, que propicia a alternância no poder para a dilapidação do erário público, para o enriquecimento absurdo, inexplicável e inaceitável dos seus integrantes e consequente empobrecimento crescente da população. E o que eram conjecturas ou desconfianças tornou-se certeza com o advento da “Operação Lava Jato”. Uma força tarefa composta pela Polícia Federal, Ministério Público Federal e Justiça Federal, que descortinou todo o mecanismo e trouxe à baila o seu “modus operandis”, seus participantes, suas descomunais cifras de patrimônio público desviado, os conluios, as falsas oposições. A “Operação Lava Jato”, ainda em curso, condenou e enviou ao cárcere pessoas que em um passado não remoto eram tidas como intocáveis, inatingíveis. Políticos poderosos, empresários influentes, marqueteiros consagrados, culminando, em 2018, com a condenação e prisão de um ex-presidente da República.
 
A realidade inconcebível que a “Operação Lava Jato” apresentou à sociedade brasileira foi um marco, um divisor de águas. Agora não havia mais dúvidas, agora não havia mais o discurso de perseguição política, agora havia a certeza cristalina, estávamos sendo ludibriados nesse país, no mínimo durante o período compreendido pelas investigações, ou seja, uma cultura arraigada, intrínseca, profunda a corroer os valores morais da nação.
 
E nesse cenário desponta uma nova perspectiva política, o deputado federal Jair Messias Bolsonaro. Militar da reserva do Exército Brasileiro, parlamentar de 1991 a 2018, com 27 anos de mandato na Câmara dos Deputados. Com uma proposta similar (naturalmente guardadas as devidas proporções) àquela do saudoso Dr. Enéas, passa a difundir ideias nacionalistas, de resgaste de valores morais, familiares, religiosos, de combate à sistêmica corrupção em todos os níveis da Nação. Contextualizo a menção ao Dr. Enéas. Em sua época, ao propor aos brasileiros tais valores, foi massacrado pela grande mídia, taxado de louco, insano, e com seus poucos segundos em programas eleitorais gratuitos, nunca conseguiu desconstruir essa imagem que lhe foi imposta, levando-a consigo ao morrer. E, por infelicidade da Nação, hoje sabemos que suas alegações eram absolutamente plausíveis e tornaram-se fatos reais posteriormente, as mesmas alegações que foram utilizadas na época para assassinar a sua reputação. O Brasil deve, em justiça à sua memória, desculpas ao Dr. Enéas.
 
Com Bolsonaro desenhou-se inicialmente o mesmo “modus operandis”. Tentou-se atrelar à ele a imagem de ditador, conservador, extremista. Todavia o mecanismo surpreendeu-se com uma ferramenta que o Dr. Enéas nunca teve para exercer o contraditório e a ampla defesa.
 
Diferente do que ocorreu com Dr. Enéas, que foi sumariamente fulminado pela grande mídia sem a menor possibilidade de contradizer, Bolsonaro encontrou uma via direta de comunicação com a sociedade, um vazamento na blindagem de comunicação, as redes sociais, e passou a difusão em massa de sua mensagem diretamente, já que hoje a esmagadora maioria das pessoas é conectada às redes sociais, e não depende mais de grandes conglomerados de comunicação para formar opinião a respeito de qualquer assunto.
 
E a quebra do monopólio da comunicação direta com o povo fez com que ataques inicialmente moderados à Bolsonaro não surtissem o mesmo efeito que surtiram contra Dr. Enéas. Como pôde contradizer imediatamente os ataques morais, através das redes sociais, Bolsonaro não permitiu que a opinião pública em geral aderisse a eles, razão pela qual o tom subiu, e os ataques morais passaram a ser mais agressivos. Assim passou a ser taxado de machista, estuprador, fascista, nazista, homofóbico.
 
Com a mesma estratégia de contra-inteligência, Bolsonaro conseguiu reverter a seu favor os ataques à sua honra. Comparando dessa forma as duas trajetórias, aponto a importância do Dr. Enéas para análise político-histórica do Brasil.
 
A luz amarela acende para o mecanismo. Dois fatores se unem e começam a tomar corpo. A realidade exposta francamente pela “Operação Lava Jato” faz nascer no íntimo de cada brasileiro uma insatisfação crescente com a atualidade. A humilhação, a miséria, o menoscabo à inteligência da sociedade e a soberba dos milionários corruptos não seriam mais aceitos depois de descobertos.
 
E assim, escapando e se esquivando de todas as amarras firmemente criadas pelo "mecanismo" para a perpetuação do sistema corrupto instalado no Brasil, Bolsonaro passa a ameaçar de forma real todo o sistema e paulatinamente o desconforto evolui para desespero, culminando com a tentativa de homicídio do então candidato à Presidência da República, em plena luz do dia, através de uma infame, covarde, abjeta e violenta facada em seu abdômen, defronte a milhares de seus eleitores, em pleno ato de campanha. Apenas para ilustrar, o agressor foi contido, preso e apresentado às autoridades competentes, sem linchamento.
 
A facada, embora tenha produzido lesões gravíssimas e colocado em risco a vida de Bolsonaro, não o matou, e tal qual os ataques à honra, o fortaleceu ainda mais rumo ao Planalto.
 
O Brasil, em 2018, passou pela eleição presidencial mais acirrada, violenta e agressiva desde sua existência, e Jair Messias Bolsonaro consagrou-se vitorioso, lutando contra o mecanismo que a tempos domina o país e impõe a miséria, sofrimento e alienação à população, em troca do enriquecimento descomunal de seus mentores. E isso só foi possível em razão do maciço, irrefutável e consolidado apoio popular que recebeu, inibindo sobremaneira o mecanismo, que não pôde utilizar de seus métodos espúrios para impedir a vitória. O apoio popular só ocorreu porque o inconformismo foi despertado pelas revelações da “Operação Lava Jato” e em razão da possibilidade de comunicação direta de Bolsonaro com a sociedade, através das redes sociais.
 
Sempre que uma nação é submetida a uma situação extremada, e essa situação é superada, ocorre o fenômeno do pêndulo, ou seja, de supetão a situação institucional passa de um extremo ao outro. O Brasil passou por um regime que atuou sem a legitimidade do voto, de características restritivas de direitos e garantias individuais. Ao seu fim, o Brasil passou ao extremo oposto. E, como era de se esperar, na recente eleição presidencial o povo escolheu o equilíbrio entre os dois opostos. Um regime menos garantista e mais nacionalista, mas legitimado pelo voto popular.
 
O novo Presidente da República está eleito. Favas contadas ficar discutindo se é ou não o melhor a ocupar a cadeira presidencial, isso já está decidido. E agora o momento é de superar os sentimentos que afloraram durante a acirrada campanha e unirmo-nos todos em prol do país, pois afinal de contas todos vivemos aqui e todos queremos qualidade de vida e tranquilidade para nós e nossa família. E essa superação é muito mais fácil para qualquer um de nós do que para Jair Messias Bolsonaro, pois quem teve o abdômen violentamente perfurado por uma indecente facada e está até hoje com uma bolsa de colostomia, com dores lacerantes, foi ele, não nós.
 
Resistência? Oras, resistir a algo ou alguém que não conhece e nunca experimentou é rotular, é pré conceituar, ou seja, é preconceito. Seja brasileiro, seja patriota, não seja preconceituoso. Deixe, pelo menos por agora, sua resistência dentro do chuveiro e olhe para a frente, lutemos pelo país.
 
AVANTE BRASIL!
 
(*André Matsushita Gonçalves é professor universitário e delegado de Polícia Civil em MS)


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Postado por: André Matsushita (*), 31 Outubro 2018 às 15:30 - em: Falando Nisso


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