Crises pedagógicas Marco Eusébio

Crises pedagógicas

“As enormes somas que passavam, assim, pelas mãos do Estado davam, além disso, oportunidades para fraudulentos contratos de fornecimento, corrupção, subornos, malversações e ladroeiras de todo gênero. A pilhagem por atacado do Estado, tal com o se praticava por meios de empréstimos, repetia-se a varejo nas obras públicas”. 
 
Este trecho acima foi extraído de um livreto de Marx (“As lutas de classes na França), escrito em 1850, no qual ele analisa o fracasso da chamada “revolução democrático-burguesa” da França de 1848. 
 
Mas lido solto, sem referências históricas, alguém poderá pensar que está se falando do Brasil de nossos dias. Como podemos notar, o tempo passa, mas muitas coisas permanecem as mesmas. O passado se repete no presente e continuará se repetindo no futuro. Avanços civilizatórios são lentos e às vezes só ocorrem sob o ditame de crises agudas e rupturas sangrentas. 
 
A crise multifacetária do Brasil – a chamada “tempestade perfeita” – poderá ter um efeito positivo num momento outro (talvez bem lá na frente) caso a sociedade perceba que as soluções mágicas do populismo garantem efeito específico apenas na hora da euforia, mas provoca dores indesejáveis com a ressaca da festa em longo prazo. Aprender é mudar.
 
O caso da Grécia é emblemático. Mas aquele pequeno País da comunidade européia tem uma experiência milenar de altos e baixos. Seja qual for a dimensão da crise, o cotidiano das pessoas passa por leves alterações, dada a teia profunda de interação social, dos costumes e do próprio sistema de sobrevivência institucionalizado num espaço geográfico com pouco mais de 10 milhões de habitantes. 
 
O caso do Brasil é outro. Somos um País continental, com uma imensa população profundamente desigual, com índices de pobreza concentrada em grandes cidades, economia baseada principalmente na produção primária para exportação, uma indústria incipiente, um setor de serviços monumental e tremenda carência de investimentos em tecnologia de ponta, com infraestrutura precária e governos corruptos. 
 
Certamente, a crise que viveremos nos próximos anos terá um caráter extremamente regressivo, que abalará o cotidiano de forma mais dramática, com mais pobreza e violência alastrando-se pelas ruas, num processo de acumulações de demandas reprimidas que apenas confirmarão a convicção de que o País passará da barbárie à decadência sem nunca ter conhecido a civilização. 
 
A classe política se verá diante de um eleitor cada vez mais empobrecido e carente, o que reforçará práticas clientelistas com grande elevação do nível de patrimonialismo, pois caberá ao Estado (aqui dito como ente público) a atender as aspirações daqueles que ocupam setores médios da estrutura da pirâmide social. 
 
A pouca ousadia na discussão da reforma política recentemente no Congresso Nacional é sintoma antecipatório desse processo. Políticos são espertos e enxergam longe. Manter o voto obrigatório, sem mexer muito nos esquemas de financiamento de campanha nem de representatividade partidária, significa que a máquina governamental terá peso decisivo nas campanhas. Com isso, as perspectivas de renovação dos quadros de poder serão limitadas.
 
Esse fato, de maneira inequívoca, reforça a prática do voto de cabresto (mais sofisticado que antigamente, claro, mas na essência quase a mesma coisa), fortalecendo aqueles personagens que possuem esquemas estruturados em nichos da sociedade, sobretudo no controle de eleitores mais vulneráveis. 
 
Candidatos a candidatos a prefeito ou a vereador desde já se articulam não com aquela massa que foi para as ruas pedindo uma “nova política”, mas com os setores de base ligados às igrejas evangélicas e à concessão de benefícios sociais provenientes da máquina governamental. A formação deste estoque de votos garante influência e poder.
 
Esse é o lado perverso da crise que se tornará mais aguda, pois a escassez gera maior dependência e esse fator fortalece a chamada vanguarda do atraso. A crise de hoje, mesmo quando superada (o capitalismo é cíclico, lembram-se?), deixará suas cicatrizes indeléveis por muito mais tempo que imaginam aqueles que acreditam (ingenuamente) na irrefutável marcha do progresso da humanidade.
 
(*Dante Teixeira de Godoy Filho é jornalista militante em Campo Grande MS - dantefilho@terra.com.br)
 


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Postado por: Marco Eusébio, 30 Junho 2015 às 11:40 - em: Falando Nisso


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