Como se fosse pra Margot Maranhão Viegas (*)

Como se fosse pra Margot

 

Desde que Margot morreu há um  vazio em meu peito.
 
Há dias penso nela. Na saudade que a ausência dela produz. E acho que tenho que conversar com ela de alguma forma. Hoje, criei coragem.
 
Dias destes, Rodrigo Teixeira escreveu um texto depois de ter visto o filme “Gonzaga – de pai para filho”. Me lembro dele ter dito que chorou ao fim do filme, por conta da reconciliação entre um e outro. Por conta da forma como aconteceu.
 
Hoje, dia de desastres em casa, fui salvo por um convite – Vamos ao cinema? Aceitei. Fui.
 
Gonzaguinha significava mais, pra mim, do que Gonzagão. Desde sempre. Quando me entendi por gente, ele – Gonzaguinha – já falava a minha língua. A da poesia. Gonzagão era só uma imagem e um som. Uma referência de raiz.
 
Durante a faculdade, uma das minhas grandes “virtudes” era cantar no mesmo timbre nordestino do Gonzaguinha. E eu tinha chão pra isso. Vinha da mesma região, tinha a mesma magreza, a mesma tristeza nos olhos. E o mesmo encantamento pela vida.
 
Havia uma menina, a Magali Gomes, que sempre me pedia pra cantar uma música de Gonzaguinha. E eu sempre cantava. Pra mim, era um tempo de descobertas. Mundo novo. Agonia interior pelo que haveria de vir. Pelo desconhecido.
 
Hoje, no cinema, isso tudo veio, de volta.
 
O filme começa com um pensando no outro. E termina com um admirando o outro. Respeitando o outro. E com os dois saindo de cena quase ao mesmo tempo.
 
Se Margot estivesse viva, eu certamente estaria ligando pra ela pra falar do filme. Como fiz muitas vezes. Quando li um livro, quando vi um filme ou quando ouvi uma canção.
 
Hoje eu diria assim:
 
Querida Margot, se você ainda não viu, precisa ver esse filme.
 
E ela, do outro lado do telefone, diria: 
 
– Maranhão! Vou ver, claro que vou.
 
O tempo inteiro, a música dos dois permeia a vida. Uma música costurada de vidas. Ou, duas vidas costuradas pelo som. Ao gosto do freguês.
 
O fato é que, hoje, compreendo melhor. Cada um tinha suas razões para ser como era. Gonzagão desiludido pelo binômio preconceitual – preto e pobre. Gonzaguinha desiludido pela sensação de abandono. Onde essas duas estradas se cruzariam? Muito tempo depois. Doses cavalares de solidão e angústia depois.
 
A vida imitando a arte.
 
Mas eles se encontraram. E o filme é bom por isso. Alguém vai dizer – é clichê demais. E daí? – Eu pergunto. Um clichê que funciona e que, mais do que “Lula – o filho do Brasil”, pode ser, de fato, candidato a um Oscar.
 
No transcorrer do filme, as músicas da minha vida, na voz do Gonzaguinha, vão ganhando sentido. “Quando eu abrir a minha garganta, essa força tanta... E se eu chorar e o sal molhar o meu sorriso... Não se espante, cante, que o teu canto é a minha força pra cantar...” E por aí foi. O filme inteiro.
 
Até o momento em que Gonzaguinha, reconciliado com a vida e com o pai, anuncia Gonzagão. A frase do filme é a frase da vida real. Eu fui invadido na memória. O texto veio inteiro e eu me lembrei daquele dia, daquele show, daquele encontro. Ou reencontro, dos dois.
 
Rodrigo tinha razão. O texto e o filme fazem chorar.
 
Margot, como eu queria que você estivesse aqui.
 
(* Inorbel Maranhão Viegas, jornalista, nasceu no Maranhã, foi radicado em Mato Grosso do Sul e hoje reside em Brasília, como ele próprio diz, é um cidadão brasileiro)

 



Deixe seu comentário


Postado por: Maranhão Viegas (*), 18 Novembro 2012 às 01:11 - em: Falando Nisso


MAIS LIDAS