Dante Filho (*)
Coisas do Poder
Meu amigo e mestre Flávio Teixeira, um dos jornalistas que melhor conhece o funcionamento da máquina pública de Mato Grosso do Sul, contou-me certa vez uma historieta emblemática sobre a chegada de um novo governo (qualquer um) ao Poder.
Segundo ele, há quatro fases (não necessariamente aplicadas nessa ordem) que são seguidas à risca quando se inaugura a chamada “nova fase administrativa”. A primeira é a da euforia, dos planos mirabolantes, das reformas estruturais, dos projetos sensacionais, das metas e dos sonhos a serem vendidos à população como verdadeiros apanágios do sucesso redentor. Tudo é festa: novos secretários, nomeações “técnicas”, disputas internas entre filiados de partidos para ver quem é mais preparado e competente.
Nessas horas há motivação de sobra: entusiasmo, “tamo junto”, “vamos fazer e acontecer”. Frases de efeito como “valorização do servidor”, “meritocracia é o lema”, “construção de novo futuro” etc etc etc ganham ares de verdade bíblica. A mídia registra tudo, sem qualquer objeção crítica, seguindo a onda de otimismo porque, afinal, nessas horas pessimismo é coisa de perdedor.
Na segunda fase, o discurso eufórico cede espaço para a moderação e o realismo. Você passa a encontrar secretários e assessores reclamando pelos cantos: “puxa, a coisa não era bem o que pensávamos”, “se não fosse a herança maldita tudo daria certo”, “sonhamos alto demais”, enfim, muxoxos de quem começa a colocar os pés no mundo real e perceber que a máquina pública é um complexo orgânico ensimesmado e completamente dominado pelo corporativismo, imune a qualquer motivação com quem ocupa momentaneamente o poder.
Vem em seguida a terceira fase: a do derrotismo evidente. E com isso, pouco a pouco, o ambiente vai ficando tenso, e os mais raivosos no topo do Poder começam então a reclamar dos males da burocracia excessiva, da centralização dos recursos na União, das dificuldades de articulação com o Legislativo e Judiciário; da falta de colaboração e desinteresse dos chamados “funcionários concursados” (imunes à pressão das demissões políticas); das mumunhas e do extenso jogo dos interesses capilarizados por todas as esferas funcionais.
Os nervos ficam à flor da pele. Nessa hora, muitos já se perderam pelo meio do caminho: uns porque pisaram na bola, outros porque não apresentaram resultados e jogaram a toalha, enfim, foram engolidos “pelo sistema”, ou decidiram simplesmente “fazer oposição”, alegando injustiça e perseguição. Ou seja: a história vai se repetindo, ora como farsa, ora como comédia, às vezes como tragédia.
Daí vem a quarta e última fase: a da apuração das culpas e responsabilidades. Quem foram os traidores, quem sacaneou e boicotou as grandes idéias de gestão, quem foi responsável por esse ou aquele escândalo, acusam o “golpismo” da imprensa, dizem que “as indicações políticas foram um desastre”, ou seja, reclamações furiosas e desespero total.
Em meio a esse frenesi, depois de muito burburinho, reuniões cansativas, levantamentos exaustivos, relatórios volumosos, planilhas de custeio, consultorias delirantes, surge, pelas mãos de algum gênio da raç, a solução luminosa para todos os males. E assim o governador dá um soco na mesa e diz com toda a soberba: “já sei o que fazer! Vamos punir os inocentes!”.
Claro que isso é fabulação folclórica. Há governos que misturam todas as fases e outros que começam as coisas pela porta dos fundos. Só há uma certeza os cidadãos pagam o pato.
(*Dante Filho é jornalista em Campo Grande MS)
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Postado por: Dante Filho (*), 16 Dezembro 2014 às 14:35 - em: Falando Nisso