Dante Filho (*)
Buracos & buracos
Buraco é a palavra da moda. É um substantivo masculino que tem inúmeros significados. Ele pode ser concreto ou abstrato. Para conhecer o primeiro, basta andar nas ruas de Campo Grande. Eles estão aí espalhados aos montes, em lugares inesperados: de todos os tamanhos, profundidade, formato, características; isolados, em conjunto, mais ou menos perigosos – todos aguardando que sejam tapados para garantir trafegabilidade e segurança para a população.
Há também os buracos metafísicos. Esses buracos tem representações culturais imanentes e transcendentes, sugerindo que eles abram a esfera exterior para um interior misterioso. O buraco é símbolo do desconhecido. Basta que nos aproximemos de uma depressão natural profunda e escura para fiquemos em alerta, experimentando sensações estranhas. Geralmente, ficamos medo, acreditando que vamos mergulhar num mundo desconhecido - e nunca mais voltar.
“Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carol, começa a trama quando a personagem cai num buraco. Aquele mundo louco só acontece lá embaixo. Na mitologia, é de um buraco aberto por uma machadada de Hefestos na cabeça de Zeus que nasce Atena, a deusa da inteligência. Por isso que tem gente que diz: “abra a sua cabeça e pense!”.
Temos também os buracos negros, que sugam luz e energia das galáxias, levando tudo para planos incertos e não sabidos. No budismo, hinduísmo e nas filosofias orientais o buraco inscrito nos vasos de jade (Pi) simboliza o céu, que significa a existência de outro mundo.
Existem sociedades indígenas que enxergam no buraco algo semelhante ao órgão genital feminino por onde se dá o fenômeno da passagem do nascimento e da morte. Eles acreditam que esse é o buraco que permite que se entre e saia das esferas das leis terrenas para planos mais elevados.
Enfim, o buraco sempre suscita a idéia de vazio e desconhecido, provoca temor. No caso das pequenas crateras que se espalham no asfalto da cidade, elas provocam raiva e desgaste político para o prefeito. A cada solavanco ou acidente, é a mãe do nosso Bernal que sofre.
E assim, o buraco transforma-se na metáfora dos nossos dias. Dilma não sabe o que fazer com o rombo das contas públicas. Ela cavou fundo e agora deseja nos entregar uma fatura de mais de R$ 100 bilhões para aplainar o déficit que pode nos levar para lugares mais profundos.
Temos que reconhecer que o buraco é federal, estadual e municipal. Olhando de perto, cada um tem um jeitão próprio, mas não há dúvida de que ele existe. Tem gente que parece que tem um buraco na cabeça e esqueceu o que falou nas últimas campanhas eleitorais: promessas, convicções, intenções e projetos, parece que tudo desapareceu na escuridão e de lá não vai sair mais.
Estamos vendo nossas autoridades se esforçarem para tapar todas essas cavidades ulcerativas. O governador Reinaldo Azambuja vem sofrendo para convencer a sociedade de que a elevação de carga tributária que está propondo tem o nobre propósito de reduzir os buracos das finanças estaduais.
Como a crise é braba e o dinheiro está escasso qualquer tentativa de o setor público querer buscar mais do bolso do contribuinte provoca reações adversas. Digamos que depois que o senado derrubou a renovação da CPMF, em 2008, começou haver uma alteração gradual da mentalidade sobre a questão da carga tributária.
Na cabeça dos eleitores, os governos querem aumentar tributos para que os governantes e seus acólitos possam roubar mais. Não adianta explicações técnicas sobre cumprimento de leis orçamentárias, repasses obrigatórios, cumprimentos de metas de arrecadação etc. Nada disso convence o cidadão com exacerbado senso crítico sobre a conduta dos políticos.
Azambuja diferenciou-se na última campanha batendo bumbo em torno da idéia de que ele “ia conversar com as pessoas”. Ou seja: estaria mais aberto a tomar decisões compartilhadas, descartando o modelo autoritário de seu antecessor. Pelo visto, parece que não compreendeu o buraco em que estava se metendo, tanto que tem gente pedindo a volta daquele que parece que ainda não foi, pois metade do governo pertence a ele.
Pode ser que o governador acredite que no íntimo está tentando dialogar. Mas o sentimento não é esse. Sua comunicação está errada. Há excesso de reclamação de que ele aprofunda uma tendência isolacionista (característico de sua personalidade), enfeixado pela tradicional turminha do tereré.
Sei que não é fácil lidar com todas essas situações. Mas uma coisa é certa: tapados os buracos, esquece-se de que um dia ele existiu. O problema é que eles insistem em aparecer. Às vezes se transforma em fundo do poço, noutras em precipício. É a vida.
(*Dante Teixeira de Godoy Filho é jornalista militante em Campo Grande MS - dantefilho@terra.com.br)
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Postado por: Dante Filho (*), 09 Novembro 2015 às 15:15 - em: Falando Nisso