Wander Medeiros A. da Costa (*)
Bons exemplos
Atribuem a São Francisco de Assis a máxima de que devemos pregar o evangelho de todas as formas, inclusive, em último caso, se necessário, também com palavras.
Desde que ouvi esse aforisma universal desconheço uma síntese melhor da importância dos exemplos, seja no plano pessoal, seja no plano político, até porque, convenhamos, como seria maravilhoso se pudéssemos nos reunir para comentarmos as virtudes dos nossos dirigentes e não este assombro com que temos convivido ultimamente.
Quer alguns exemplos do que tento dizer?
Barack Obama cumpre seus últimos dias na Presidência daquela que ainda é considerada como a maior potência econômica do mundo, referência em muitas áreas como tecnologia, negócios, biocombustíveis (1), cinema, entre tantas outras. Encerrado seu segundo mandato naquele posto, deixa forçosamente a política por conta do sistema constitucional americano (2), se aposenta da disputa e ocupação de cargos eletivos em definitivo, não é pouca coisa.
Decerto a sensação de finitude sobrevaloriza suas últimas ações, atribui um sentido real de urgência aos seus últimos atos, porque essa é uma dimensão humana que assola todos que estejam próximos da conclusão de um périplo de suas vidas – aliás, e você?, o que você faria se só lhe restasse esse dia? Pois bem, Obama viaja, vai a Cuba depois de 88 anos de distanciamento, conflitos diplomáticos e econômicos (20/03/2016) (3), a seguir, Vietnã, antigo inimigo histórico de guerra conflagrada (22/05/2016) (4), finalmente, se torna o primeiro Presidente norte americano no exercício do cargo a visitar a cidade de Hiroshima (27/05/2016).
E o que há em comum em todas essas viagens históricas é o gesto de “reaproximação” e de “paz”, e daqui muitos anos, provavelmente quando eu e você não estivermos mais por aqui meu dileto amigo, é muito provável que aqueles que se lembrem do primeiro negro à frente da presidência americana, não se esqueçam dessas suas singelas viagens, creio que elas terão um espaço de destaque no livro de suas memórias.
Nelson Mandela, de Advogado se tornou líder da resistência não-violenta da juventude na África do Sul contra o regime segregacionista do “apartheid”, por essa razão foi injustamente acusado de traição, e permaneceu preso por nada menos que 27 anos, notabilizando-se como o mais célebre preso político do século XX (5).
Solto em 1990, se tornou Presidente de 1994 a 1999, a despeito de suas agruras pessoais, políticas e administrativas, nesse período poderia, à frente do maior cargo da nação, ter perseguido e revidado com virulência contra seus algozes, todavia seu maior feito naquela condição foi de ter criado a comissão da verdade e “reconciliação”, encarregada de apurar, mas não de “punir”, os fatos ocorridos durante o “apartheid”, marcando com seus atos e para sempre na parede da história sua generosa visão de que “ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião; para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar”.
Martin Luther King Jr., de pastor evangélico se tornou líder do movimento civil de combate a desigualdade racial nos Estados Unidos, esteve a frente do icônico movimento de boicote aos ônibus de Montgomery em 1955 (6), e subiu as escadarias do “Lincoln Memorial” em Washington no dia 28 de agosto de 1963, para ali nos seus degraus compartilhar com a humanidade “seu grande sonho” (7) por um mundo em que “não busquemos satisfazer a sede pela liberdade tomando da taça da amargura e do ódio, conduzindo sempre nossa luta no plano elevado da dignidade e da disciplina” para que “um dia, nas rubras colinas da Geórgia, os filhos de antigos escravos e os filhos de antigos senhores de escravos possam sentar-se juntos à mesa da fraternidade”(8).
Provavelmente inspirando a todos esses anteriormente nominados, Mahatma Gandhi foi o grande idealizador e fundador do moderno Estado indiano a partir de suas ações de resistência sem violência, a “satyagraha” (9), suas roupas que ele próprio confeccionava com auxílio de seguidores e eram similares àquelas utilizadas pelas populações mais pobres, gestos simples de meditação e jejum utilizados como forma de pressão política, culminaram com a independência de seu país, e gravou de forma indelével na cultura de nosso contemporâneo que “não existe um caminho para a paz, a paz é o caminho” (10).
O que tudo isso tem a ver com as vicissitudes da nossa política atual?
Ao meu singelo sentir é a triste constatação que faço de que alguns desses ocupantes dos mais altos postos da nossa nação ainda não se deram conta que a importância do espaço e do poder político não esta no preço econômico das condições que seu dignitário pode vir a auferir para si, seus familiares, amigos e comparsas, nada disso, ao contrário, muito distante disso, a maior expressão que podem deixar de si próprios e suas atitudes, reside exatamente nos valores morais e éticos que podem cravar com suas digitais hoje e para sempre na história dos povos a quem serviu.
Esses são valores que transbordam do público para o privado, ajudando a conformar e formatar toda sociedade, da minha pequena experiência de vida posso lhe afirmar com convicção de que sempre existirão tormentas, momentos em que você será instado com muita força a revidar o mal com mal, ser beligerante com os que te acusam injusta e sorrateiramente, mas para essas horas de dúvida sobre como agir, vale a pena rememorar aqueles e outros exemplos de grandeza, estando certo de que no final é sempre você quem decide o caminho por onde seguir.
E nas vezes que sua escolha for pelo caminho mais difícil, não desanime, tenho muita fé de que então você terá visto aquilo que tem sido tamanho ignorado por parte de nossa classe política de atualmente, de que o valor das coisas não está na expressão econômica do que se conta ou do cargo portentoso que se ostenta, mas sim naquilo que se “sente”, que o verdadeiro sentido da sua vida não está no que se “colhe”, mas sim naquilo que se “planta”, e que a verdadeira imagem que você deixará gravada na memória daqueles com quem esteve, será aquela esculpida pelo conjunto dos seus exemplos, dos seus “bons exemplos”, e essa será a única, indelével e real, marca da sua herança, este será, de verdade, o seu legado.
(*Wander Medeiros A. da Costa é advogado em Dourados, professor da UEMS e procurador de Entidades Públicas do MS)
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Postado por: Wander Medeiros A. da Costa (*), 25 Junho 2016 às 10:15 - em: Falando Nisso