As reformas? Ora, tropeçam Gaudêncio Torquato (*)

As reformas? Ora, tropeçam

Costuma-se dizer que a crise do país é essencialmente de natureza política. Como a índole política do país é incompatível com um modelo racional de Estado e uma gestão moderna de democracia, configura-se um quadro de crise permanente. Não se sai do impasse porque o Brasil não tem conseguido mudar sua fisionomia política. Em conseqüência, vive um prolongado ciclo de precária governabilidade, agravado pela tensão entre as instituições, pelo baixo crescimento do PIB, pela devastação financeira de Estados e Municípios e pela grandeza territorial, com suas marcantes diferenças sócio-econômicas e culturais.
 
A questão é: como cortar o nó que mantém o país numa situação de inércia e de manutenção de estruturas arcaicas? Que tipos de reformas se fazem necessárias para promover a dinâmica do país? As indicações para se obter um estágio de modernização, de maneira quase consensual, assinalam para as necessidades de reformas do sistema político-partidário-eleitoral, da estrutura do Estado com a respectiva redefinição de papéis e melhor divisão de competências entre os três poderes, do sistema tributário-fiscal e da previdência, mudanças consideradas prioritárias para o redimensionamento do perfil institucional do país, aperfeiçoamento do sistema político e estabelecimento de uma burocracia mais qualificada e voltada para a eficácia.
 
Tais reformas, de alto impacto, definirão novos padrões de organização social e produtiva. No entanto, por mais bem feitas e planejadas, não conseguirão gerar resultados suficientes para alterar de modo profundo nossa fisionomia cultural. Por que? Por causa do alto grau de atraso de nossa cultura política.
 
A reforma política, por exemplo, acaba se transformando em um exercício de prestidigitação. Veja-se o que acontece na Câmara. Os deputados tomam decisões em causa própria. Por 348 votos a favor e 110 contra, aprovam o mandato de 5 anos, a partir de 2022,  para todos os cargos: presidente, governador, senadores e deputados. Prefeitos e vereadores já seriam atingidos nas eleições de 2016. 
 
Ora, os senadores concordarão com a redução de seus mandatos de 8 anos? Jamais. A reforma da Câmara Alta deverá ser degolada pela Câmara baixa. E ficaremos, mais uma vez, a ver navios. Com o tempo, as reformas caem na vala da banalização, perdem vigor, criam anticorpos e, após determinado ciclo, geram vírus que as desfiguram quase por completo.
 
Por trás dessa questão, há outra: as cúpulas costumam promover reformas com a intenção de ajustá-las mais às suas necessidades do que às demandas sociais. Mais uma vez, o exemplo é esta reforma do sistema eleitoral. Vota-se sob a pressão das conveniências. Não se decidem sobre ideias que tratem de melhorar a representatividade dos agentes, qualificando quadros, redefinindo a proporcionalidade entre os Estados, de acordo com o princípio das densidades eleitorais.
 
Não se adota  um tipo de voto que possa traduzir, com maior fidelidade, as reivindicações das comunidades. Não se tomam medida para aperfeiçoar o perfil partidário, por meio de normas mais rigorosas para criação de partidos e formação de corpos doutrinários mais qualificados.
 
Veja-se essa ridícula cláusula de barreira: com um deputado e com um senador, qualquer partido funcionará, tendo direito a recursos partidários, tempo de rádio e TV etc. As campanhas eleitorais continuarão a seguir a modelagem da autoglorificação de perfis. A manipulação do eleitor ganhará reforço. E assim, a incultura política de imensos contingentes deverá ensejar a eleição de representantes desqualificados.
 
A modernização do país no campo político anda a passos de caranguejo: dois para frente, um para o lado, um para trás. Como mudar? Enfrentando o cerne do problema. A reforma fundamental, mãe de todas as reformas, deverá contemplar a base da sociedade, com o objetivo de colocar no mapa da cultura política as massas incultas e analfabetas. Trata-se, portanto, de reformar a educação básica. A escola pública está deteriorada. Milhões de brasileiros afastam-se do sistema educacional.
 
Medidas paliativas, como as de combate à fome e à miséria, dentro de uma visão assistencialista, têm méritos no curto prazo para minorar o desespero que se alastra em algumas regiões. Mas não quebrarão os elos que prendem o país ao passado e que escancaram traços de uma sociedade agrária. Essa é a questão de fundo. A esperança é a de que a sociedade organizada, por meio de suas centenas de entidades, empurre seus movimentos para as ruas, fazendo pressão sobre os poderes centrais. 2015 é um ano propício para avanços.
 
(*Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação - Twitter @gaudtorquato)
 


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Postado por: Gaudêncio Torquato (*), 14 Junho 2015 às 14:00 - em: Falando Nisso


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