Fábio Trad (*)
Antes do nome; a obra e o homem!
Antes que os próximos capítulos da batalha eleitoral me forcem a ajoelhar em praça pública, rogando a clemência dos meus conterrâneos pelo "pecado" de estar no exercício da Política carregando o sobrenome do meu velho e saudoso avô Assaf, julgo-me no dever de rascunhar estas despretensiosas linhas na esperança de conferir ao debate que se avizinha um pouco mais de racionalidade e um pouco menos de cinismo, já que, impossível, sobretudo no clima passional de um embate eleitoral, que uma e outra entrem em acordo espontaneamente.
Euclides da Cunha que me perdoe, mas o mascate, como o sertanejo, também é, antes de tudo, um forte,
Ganha, porém, dimensão épica a história do mascate em terra estrangeira, vindo de onde nada se parecia com o lugar de destino, aportado apenas com a roupa do corpo depois de longos meses a bordo de uma precária embarcação. Origem: Líbano em guerra; destino: Brasil, a Pátria da Paz. Esperança: viver e, vivendo, constituir uma família e trabalhar em prol do país que o acolheu.
Da luneta do tempo, olhando, atento, para o início do século, precisamente a partir de 1915, ainda é possível acompanhar os passos daquele jovem imigrante, autodidata, tentando se equilibrar entre o manejo do idioma e a arte do comércio, como caixeiro-viajante nas trilhas empoeiradas das Nioaque, Miranda e Aquidauana dos anos 20 do século passado.
Fez-se e ao fazer-se pelo esforço e sacrifício, superou a primeira etapa das muitas a que se determinou enfrentar. Residiu em Nioaque, Aquidauana e depois Miranda. Nas três, honrou o seu povo com a prática diária do trabalho humilde e honesto de vendedor de tecidos.
Seu esteio, uma flor chamada Margarida, lhe deu filhos (três homens e uma mulher) e a tranquilidade necessária para trabalhar e prosperar. Não se enriqueceu, é verdade, mas prosperou o suficiente para custear a instrução dos filhos, escolhendo para tanto, nos anos 40, a promissora cidade de Campo Grande onde radicou-se residindo, aliás como locatário, por muitos anos na rua Cândido Mariano.
Na Cidade Morena dos anos 50, arranjou tempo para dedicar-se ao jornalismo, escrevendo artigos em que defendia valores que até hoje sensibilizam os que lutam pela política autenticamente idealista.
Já Cônsul Honorário do Líbano, viu o Direito seduzir três dos quatro filhos . E, desde 1958 até 1979, o ano de sua morte, acompanhou, embevecido, a estreia e a atuação política vigorosa de dois deles. Um, o mais novo, aliás, com promissora carreira política interrompida pela obediência filial que devotava ao outro, o mais velho.
Tinha o hábito de fazer e multiplicar amigos e, o mais nobre, mantê-los cativos como hóspedes de sua ternura e respeito. No último dia de junho de 79, respirou a sua última porção de vida, legando aos filhos e netos bens que até hoje se preservam como expressão de sua existência: um sobrenome, 500 livros e a vocação para a participação ativa na vida pública.
Dos quatro filhos, vieram à luz onze netos e destes vinte e cinco bisnetos, todos sul-mato-grossenses. Guardadas as peculiaridades de estilo e personalidade, todos eles, em comum, tiveram desde a primeira infância, por experiência epidérmica, as mais fortes e vivas impressões da política e suas dramáticas vicissitudes.
Alguns, estimulados pelo impulso vocacional, sentiram-se no dever de contribuir com o debate público, através da política partidária; outros, não menos encorajados com o vigor da ação coletiva, labutam nas pautas corporativas e profissionais.
Nenhum deles, porém, hostil às regras do jogo democrático, antes, por amor a elas, o filho primeiro de Assaf foi cassado, preso e torturado.
Longe do ingênuo cabotinismo do autoelogio, afinal sobrenome não é mais que um nome qualquer, o fato é que a viagem daquele jovem imigrante libanês criou um caminho próprio e singular, com altos e baixos, lágrimas e sorrisos, frustrações e êxitos. Não mais ou melhor do que qualquer outro, mas apenas seu em forma de única identidade.
Voltando os olhos a 1915 para a charmosa Corumbá em cujo porto Assaf pisou pela primeira vez em solo mato-grossense, pode-se concluir, depois de quase um século de incessante trabalho e fecundo amor por esta terra, que seus filhos, netos e bisnetos, em humilde comunhão com toda a gente do Mato Grosso do Sul, têm razões de sobra para continuar fazendo amigos por várias e várias gerações.
Um deles, aliás, posto que assim o diz nos abraços da vida, nascido em 1955, coincidentemente na mesma cidade em que 40 anos antes chegava o jovem libanês, descreveu desta forma o mais velho dos filhos de Assaf:
"Com dois mandatos estaduais e sete federais, ele se tornou uma referência da política em Mato Grosso do Sul, um nome que se confunde com a história do nosso estado e a luta do Brasil pela democracia. Tive a honra de conviver com ele no Congresso Nacional onde me impressionavam sua experiência e serenidade, especialmente nos momentos mais difíceis. Ele era um homem correto, digno, de caráter firme e decidido. Tinha um saber jurídico e um conhecimento do funcionamento do Congresso Nacional admiráveis. Prestou muitos serviços a Mato Grosso do Sul e ao Brasil. Que Deus illumine sua alma e conforte toda a sua família” (Delcídio do Amaral).
(*Fábio Ricardo Trad, advogado, é deputado federal pelo PMDB-MS)
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Postado por: Fábio Trad (*), 30 Janeiro 2014 às 14:36 - em: Falando Nisso