Anestesia mental Heitor Freire (*)

Anestesia mental

Estamos todos vivendo momentos conturbados, no mundo e em nosso país. A energia predominante é a da discórdia. Há um vírus que se propaga pelo éter em todo o nosso planeta: o ódio instalado. Ele está em toda parte, incluindo, naturalmente, o Brasil. O que é profundamente lamentável!
 
A propósito, outro dia, li numa página da internet um texto de Étienne de la Boétie (filósofo e humanista francês, 1530–1563), que em seu Discurso da Servidão Voluntária identificou com muita precisão o que acontece desde que o mundo é mundo – um sistema que todos os regimes totalitários, de direita ou de esquerda, sem distinção, sempre utilizaram:
 
“Gostaria de entender, gostaria apenas de entender como é que pode ser que tantos homens, tantas cidades, tantos países suportem, às vezes, uma tirania que tem apenas o poder que eles próprios lhe dão. O que faz com que uma nação trate as outras como escrava e as prive de sua liberdade? Será que não sabem que não é preciso combater essa tirania? Que não é preciso anulá-la, porque ela se anula a si própria. Basta que não se consinta em servi-la. Se nada se dá aos tiranos, se ninguém lhes obedece, sem lutar, sem golpear, eles ficam nus, ficam feridos e não são mais nada, são como o galho que se torna seco quando a raiz não tem nem umidade nem alimento. Decidam não mais servir e estarão livres. Não mais o sustentem e verão como o grande colosso de quem se subtraiu a base pode desmanchar-se com seu próprio peso e desmoronar”.
 
“Resolvam não servir mais, e serão imediatamente libertados. Não peço que coloquem as mãos sobre o tirano para derrubá-lo, mas simplesmente que não o apoiem mais; então o observarão, como um grande colosso cujo pedestal foi arrancado, cair de seu próprio peso e quebrar-se em pedaços”. 
 
Aí é que está o problema. A sujeição a essas lideranças extremas impossibilita uma ação libertadora, por causa da grande subordinação aos discursos de ódio, ao poder da propaganda, do medo e da ideologia ao fazer com que as pessoas se conformem com sua própria sujeição. Seria covardia? Talvez. Hábito e tradição? Talvez. Ou então é ilusão ideológica e confusão intelectual. Ou até comodismo.
 
Murray Rothbard (filósofo e economista americano, 1926–1995) assim escreveu na introdução a uma edição do Discurso da Servidão Voluntária: “O discurso de La Boétie tem uma importância vital para o leitor moderno – uma importância que vai além do puro prazer de ler uma grande e seminal obra sobre filosofia política, ou, para o libertário, de ler o primeiro filósofo político libertário“.
 
Para La Boétie, o problema que todos os adversários do despotismo encontram de forma particularmente difícil é de estratégia. Diante do poder devastador e aparentemente avassalador do Estado moderno, como se pode criar um mundo livre e diferente? Como é possível ir de um mundo de tirania para um mundo de liberdade? Com sua metodologia abstrata e atemporal, La Boétie oferece perspectivas vitais sobre esse eterno problema.
 
La Boétie então investiga o mistério que faz com que a pessoas não se recusem a obedecer, sendo óbvio para ele que todos estariam melhor sem o Estado. Isso o envia numa jornada especulativa para investigar 
 
Segundo La Boétie, o governante cria uma pirâmide ilusória e transfere um pouco do poder para meia dúzia de tenentes, que repetem o processo. Esses subalternos, achando que realmente têm algum poder, submetem aqueles abaixo deles com mão forte. Assim, o Estado submete uns por intermédio dos outros, e dá razão ao adágio que diz ser a lenha rachada com cunhas feitas da mesma lenha. Para ele, ninguém deve trabalhar para o Estado, pois mesmo homens de caráter, com boas intenções, viram instrumentos da tirania e logo experimentaram os efeitos dessa tirania às suas próprias custas.
 
Constato, naturalmente, que sem o Estado como entidade organizada e política, não temos como sobreviver. Mas a submissão servil a tudo que emana do poderoso de plantão, ou com mandato, é que não pode permanecer. O que acaba prevalecendo é o interesse de cada um, subjugando um ao outro, envolvendo-o nessa teia interminável que embrulha tudo e todos no mesmo balaio.
 
Como agir então? Basta não obedecer, diz La Boétie. Como fizeram Sócrates, Gandhi, Luther King, Mandela, cujos exemplos de vida e de coragem, se perpetuam no tempo e no espaço. Ou para levar a um panorama maior, Jesus.
 
Jesus nos deixou uma lição básica: o amor. A grande maioria do povo ocidental se diz cristão. Mas na realidade, é da boca para fora, porque o que menos se faz é praticar o ensinamento Dele.
 
Vemos hoje, em nosso país, pessoas inteligentes submetidas a uma influência totalitária, tirânica, despótica, ditatorial, de ambos os espectros políticos, submetidas a uma anestesia mental que as aprisiona e conduz de maneira irracional.
 
As pessoas, por desconhecimento ou por comodidade, deixaram de exercer uma faculdade natural que Deus nos concedeu: o discernimento, que nos leva a questionar o que realmente queremos.
 
Hoje, muitos estão de cabeça feita e se recusam a, pelo menos, conceder a tudo, o benefício da dúvida. Será que tudo o que a esquerda preconiza é ruim? Será que tudo o que a direita prega, não presta? 
 
Há mais de quatro mil anos, conta-se que Krishna ensinou ao príncipe Arjuna, no livro Baghavad Gitâ, a seguir o abençoado e dourado caminho do meio, nem para a esquerda, nem para a direita. Esse ensinamento milenar sintetiza o procedimento que deveria nortear o comportamento de cada um. Naturalmente, coroado com o ensinamento maior, a prática do amor.
 
É o meu entendimento.
 
(*Heitor Rodrigues Freire – corretor de imóveis e advogado)


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Postado por: Heitor Freire (*), 18 Fevereiro 2023 às 08:15 - em: Falando Nisso


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