A voz do tempo
Quando, em novembro de 2014, o governador Reinaldo Azambuja começou a preparar a transição governamental, escrevi um artigo -“Transição Intransitiva”-, mostrando que a equipe com a qual ele esperava fazer um “governo de mudanças” não ia dar certo. Na verdade, o texto não tinha por objetivo fazer críticas pessoais e sim levantar questões institucionais que poderiam servir de alerta para que erros fossem mitigados ao longo do tempo.
No íntimo, eu torcia para estar errado ou que ainda pudesse ser injusto com pessoas de minha sincera estima, mas o tempo..., bem, o tempo segue esculpindo suas ruínas, sem que se haja fazer muitas coisas que justifiquem a veracidade dos fatos. Eles estão sonoramente gritando nos nossos ouvidos, mas o mugido das consciências arrasta para outras distrações.
Minhas observações, na época, foram muito mal recebidas pelo governador e pela cúpula do PSDB. Fui convocado para reuniões para explicar as razões do texto, recebendo acusações inclusive de que havia “bebido demais”. A partir daquele momento, tornei-me persona non grata pela turma do governador, e uma onda de maledicências circulou aqui e ali me transformando no mais vil dos seres humanos.
Numa conversa com o senador Ruben Figueiró – o qual, no período, o assessorava – travamos um debate ríspido e nervoso. Ele fez uma condenação severa ao meu texto, considerou incompreensível minha atitude, e reiterou que, diante de minha posição política, não me cabia publicar nada “como jornalista independente” já que tinha compromissos partidários.
Na época, invoquei uma frase de Nietzsche na linha de “uma coisa sou eu, outra são meus escritos” e disse que minhas observações seriam uma maneira de abrir um bom debate acerca de erros políticos eloqüentes que estavam sendo tomados e poderiam comprometer o futuro do governo. “Gente atrasada não compreende as coisas dessa maneira”, redargüiu insistentemente Figueiró.
Quase rompemos a amizade e os laços profissionais e, para remediar a tensão, prometi escrever novo artigo para tentar reequilibrar as coisas, evitando que atitude exclusivamente minha pudesse prejudicar terceiros. E assim o fiz, mas não adiantou. O governador e seu entorno ficaram mais enfurecidos, e assim deu-se início a um processo de perseguição, no qual, felizmente, com estes anos todos de militância partidária, engrossaram meu couro, mesmo porque tenho absoluta clareza do que é ser cidadão que pensa livremente, e o que é ser adepto do “governismo” (qualquer um), algo que considero uma das piores ideologias de todos os tempos e em todas as épocas.
O texto, por outro lado, fez muito sucesso. Recebi telefonemas, cartas e e-mails aos borbotões. Muitos daqueles que hoje ocupam cargos de secretário de Estado e estão cumprindo funções em segundos e terceiros escalões ligaram parabenizando-me, concordando com o conteúdo do artigo, instigando-me a apertar o torniquete.
Achei graça, dei de ombros e segui com a minha vida. Claro, depois disso, o imposto cobrado ficou moralmente mais caro, as intrigas cresceram, as fofocas e as mentiras transformaram-se em ativos poderosos na boca dos desafetos. O que se há de?
Prometi deixar passar o complicado ano de 2015, esquecer momentaneamente o assunto, e só voltar a reler o referido artigo nos primeiros dias de 2016. Se houvesse necessidade de algum reparo ou se algo que publiquei tivesse o condão da maldade e da injustiça, escreveria um texto de retratação, pedindo desculpas públicas a todos os supostos ofendidos. Não será o caso.
Quem quiser conhecer o conteúdo desse trabalho entre no Google e digite o título com o nome deste escriba que vos fala. Não sei se o texto vai abrir velhas feridas, mas ali não há nada que seja mentira ou que não contenham, no mérito, avisos premonitórios de quem já viveu a política de nosso Estado tempo suficiente para perceber quando um governante caminha soberbo e autoconfiante em direção ao abismo.
E aproveito para fazer novo alerta: o “governismo ideológico”, simbolizado pelos três macaquinhos com as mãos nos olhos, ouvidos e boca, anda de mãos dadas com o populismo e a corrupção. A única coisa que tem dado certo nos últimos 500 anos é aprimorar as instituições inclusivas, valorizar a legalidade e tratar com sabedoria opiniões divergentes. O resto é só fracasso.
O ano de 2016 será difícil. Terá uma eleição no fim do percurso. Na ânsia da vitória a qualquer preço faz-se loucuras. Depois, vem a fatura. Muitas vezes é melhor perder e manter a espinha ereta, do que vencer e vergar-se diante dos vícios que nos mantém como sociedade atrasada, na política, e extrativista, na economia.
(*Dante Teixeira de Godoy Filho é jornalista militante em Campo Grande MS - dantefilho@terra.com.br)
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Postado por: , 04 Janeiro 2016 às 15:20 - em: Falando Nisso