A questão do caráter Heitor Freire (*)

A questão do caráter

O que é caráter? Segundo a psicologia, é o traço predominante no comportamento de uma pessoa. O caráter pode ser definido também como o procedimento de uma pessoa quando ninguém está olhando.
 
Heráclito (540-470 a.C.), filósofo grego que estudou com muita atenção o comportamento humano, dizia que o caráter forja o destino do homem. O conjunto de suas ações é que irá determinar sua conduta, sua moralidade, dependendo da coerência de suas ações. 
 
Essa coerência nas atitudes é o que caracteriza um povo originário que vive no sul do Chile: os mapuche. Essa coerência deu a eles uma distinção exclusiva: foram os únicos dos povos nativos das Américas que não se submeteram ao poder do colonizador. Até hoje, apesar dos sucessivos governos que tentaram de todas as formas subjugá-los, eles mantêm sua autonomia, embora sua população tenha sido praticamente dizimada pelos sucessivos governos da Argentina e do Chile. Principalmente os governos militares ditatoriais.
 
Os mapuche consideravam a liberdade um valor sagrado. Assim, ao mesmo tempo que não se submetiam ao colonizador, também não escravizavam ninguém. Quando perguntados porque não construíram pirâmides ou monumentos como os incas, astecas e outros impérios mesoamericanos, responderam que essas estruturas se construíram sobre os ombros de escravos, que não admitiam nem para eles e nem para os outros. 
 
Sendo assim, nunca se submeteram à sedução dos conquistadores que ofereciam presentes tentadores e nem aceitaram a religião que lhes tentaram impor. Ao contrário, opuseram resistência armada por mais de 100 anos, o que acabou obrigando o império espanhol a propor um tratado reconhecendo suas terras e costumes.
 
Os grupos localizados entre os rios Biobío e Toltén (atual Chile) conseguiram resistir com êxito aos conquistadores espanhóis na chamada Guerra de Arauco, uma série de batalhas com longos períodos de trégua. Como não conseguiram submetê-los, a Coroa da Espanha reconheceu a autonomia desses territórios em 1641, por meio do Tratado de Quilín. Como se sabe, todos os outros povos da América Central e do Sul foram submetidos e escravizados pelos espanhóis.
 
Na tradição mapuche, todos tinham como santuário a terra e a natureza, não se sentiam donos da terra, mas filhos dela. Esse comportamento que perdurou desde sempre confirma a tese de Heráclito de que o caráter forja o destino das pessoas.
 
Cabe ressaltar dois pontos fundamentais da cosmovisão mapuche. O primeiro é o caráter animista dessa cultura, ou seja, a ideia de que todos os elementos da natureza são vivos, conscientes e possuem ânima, alma (energia vital que os mapuche chamam de newén). Por essa ótica, uma planta medicinal possui em sua essência um determinado newén, que creem ser incorporado por quem ingere a planta, levando à cura do enfermo. O segundo aspecto importante é conceito da reciprocidade, ideia fundamental no Kimün Mapuche (sabedoria mapuche), no qual acredita-se no equilíbrio das relações, primordial para a sua perpetuidade.
 
O povo mapuche soube resistir e manter sua identidade racial e étnica, embora, infelizmente, tenham sido praticamente varridos do mapa pelo poder opressor da Argentina e do Chile.
 
Eis um exemplo puro de integridade de caráter levado às últimas consequências. 
 
Coisa rara hoje em dia.
  
(*Heitor Rodrigues Freire – corretor de imóveis e advogado)


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Postado por: Heitor Freire (*), 02 Setembro 2023 às 08:00 - em: Falando Nisso


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