Heitor Freire (*)
A praça é do povo
Levantemos nosso clamor, como escreveu Castro Alves, em seu célebre poema “O povo ao poder”, no qual sugere a união de todos em prol de um mundo melhor, e está ligado a uma mensagem política, à cooperação coletiva contra a “exploração do homem pelo homem”:
A praça! A praça é do povo
Como o céu é do condor
É o antro onde a liberdade
Cria águias em seu calor!
Senhor!… pois quereis a praça?
Queremos a praça, sim. Quanto à função social, a praça pública se destaca pelas atividades ligadas ao lazer, com a presença de pessoas de diferentes faixas etárias, principalmente jovens e crianças, e hoje também de idosos, que constituem uma parcela representativa e influente da nossa cidade.
Pela caracterização e sinalização de espaços, a praça contribui para a interação das atividades humanas e do meio ambiente. Mas, lamentavelmente, essas características de uma praça pública, em Campo Grande, inexistem pela inoperância e ausência da administração municipal nessa área. O número de praças abandonadas e deixadas ao léu é assustador.
Todo loteamento aprovado exige equipamentos de ordem urbana e comunitários destinados à prestação de serviços necessários ao favorecimento da população; mas, infelizmente, poucos, muito poucos são aproveitados, pois a maioria fica ao deus dará. O poder público os exige por imperativo legal, mas depois nada faz para que sejam desfrutados pela população.
Vejamos o caso da praça do Rádio Clube, que foi ocupada militarmente pela Guarda Civil Metropolitana de Campo Grande, sob o pretexto de que a praça era tomada por usuários de entorpecentes. Hoje, segundo a versão da Guarda, reina a tranquilidade, devido à permanência da “Segurança Pública”, pois alegam que antes o local era cheio de desocupados, encrenqueiros e consumidores de drogas.
A Guarda Metropolitana também alega que existem mais de 50 pedidos para instalação de uma base como a do Rádio Clube em outras praças: “Feliz daquele que tem uma base da Segurança Pública próxima de sua casa ou em uma praça pública”.
Vejam como um entendimento equivocado acaba tentando justificar atos discricionários e absurdos.
A Guarda Civil Metropolitana foi criada pela Lei Complementar nº 358, de 29 de agosto de 2019. Em seu art. 11, diz a citada lei:
“À Guarda Civil Metropolitana de Campo Grande, observado o disposto no caput do art. 10, compete:
‘I - coordenar e executar o policiamento preventivo da cidade, para proteção dos bens de uso comum do povo, compreendendo logradouros, vias públicas, parques, praças, jardins, edifícios públicos e quaisquer outros de domínio público municipal;
(...)
III - prevenir, inibir, coibir, pela presença e vigilância, as infrações penais e atos infracionais que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais, para prevenir, em especial, a ocorrência de atos ilícitos, danos, vandalismo e sinistros.’”
Ou seja, o ato de “prevenir, inibir, coibir” não significa ocupar militarmente e manter uma garagem permanente de veículos, desvirtuando a finalidade de uma praça pública, cuja destinação é proporcionar lazer e diversão à população.
A discricionariedade é prerrogativa legal conferida à administração pública para a prática de determinados atos administrativos com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo. Sendo assim, tem-se por discricionariedade a liberdade de ação da administração pública dentro dos limites estabelecidos na lei. Tal não se confunde com arbitrariedade, que extrapola os limites fixados pela lei, tornando o ato ilegal. Cabe destacarmos que a administração pública não é proprietária da coisa pública, mas sim gestora, e, como tal, deve zelar por ela. Desta forma, os bens e interesses públicos pertencem à coletividade. Os bens e interesses não se encontram entregues à livre disposição da vontade do administrador.
Ocorre que, muito diferente do que todos pensam, a discricionariedade conferida pela lei não é absoluta, e sim relativa, já que o agente público não pode escolher como bem entender. O agente público tem que agir com a finalidade do interesse público, ou seja, escolher de forma coerente e adequada para o momento, jamais violando os princípios inerentes à administração pública, caso contrário, o ato será imoral.
A desvalorização da praça do Rádio Clube, como praça pública e como patrimônio urbano começou na desativação dos espelhos d’água e na desqualificação de seus jardins, assim como a destruição de grande parte do jardim para a construção da concha acústica, a derrubada de uma figueira centenária, e a abertura do estacionamento para as viaturas policiais. A praça já deixou de ser do povo há muito tempo.
Por isso tudo, é imperativa uma ação no sentido de recuperar a função primordial daquela praça. Com a palavra, os ilustres representantes eleitos pelo povo, os vereadores da nossa Câmara Municipal.
(*Heitor Rodrigues Freire – corretor de imóveis e advogado)
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Postado por: Heitor Freire (*), 16 Novembro 2023 às 11:45 - em: Falando Nisso