Rafael Scaini (*)
A paralisação dos caminhoneiros pode ser considerada Lockout?
Nos últimos dias todos nós brasileiros fomos assolados paralisação dos caminheiros, paralisação esta que esta popularmente conhecida como “greve dos caminhoneiros”.
De acordo com a história, a terminologia greve é remetida uma praça parisiense, também conhecida como Place de Grève, local este as margens do Rio Sena, onde acumulavam-se gravetos. Nesse local, frequente eram os encontros de trabalhadores, que manifestavam e paralisavam seus serviços devido às más condições de trabalho. Daí vem a origem do termo greve, que na prática consiste na paralisação dos trabalhadores de forma pacífica e temporário da atividade laboral.
Para o Doutrinador Amauri Mascaro[1], os grupos que exercem a pressão são formados para a consecução de objetivos específicos, sendo elas uma constante da história. Portanto, é um fenômeno antigo, que ocorrerá para o próprio nascimento do direito trabalhista, originando reações diferentes no ordenamento/sistema jurídico, sendo elas, em determinados momentos “expressão da liberdade”, e em outros, delitos. Atualmente o movimento grevista é admitido por grande parte dos ordenamentos jurídicos como direito dos trabalhadores.
Há uma corrente doutrinária que considera a greve um “mero” fato social, o qual deveria ser estudado pela sociologia, não estando sujeita aos princípios do direito. Nesta esteira de pensamento Santiago Pérez Del Castillo[2], traz que “(...) a greve é, antes de tudo, um fato social que a norma jurídica procura encarar”. Todavia, da greve resultam efeitos que, inevitavelmente, incidirão sobre as relações jurídicas, daí a necessidade de compreensão também por parte do Direito. Esse fenômeno social vem sendo sustentado justamente pelo conjunto de regras oriundo do “direito de greve”.
Já Amauri Mascaro[3], sustenta que a greve é “um direito individual de exercício coletivo, manifestando-se como autodefesa”. Aqui deve-se entender autodefesa, como a defesa de um direito feita pelo seu próprio titular. No mesmo diapasão o Professor Mauricio Godinho Delgado[4], demonstra concordância com a assertiva transcrita, quando afirma que “(...) A greve é, de fato, mecanismo de autotutela de interesses; de certo modo, é exercício direto das próprias razões, acolhido pela ordem jurídica”.
Assim, segundo o estudado pelas ciências sociais, vários são os conceitos de greve, em especial na sociologia, considerando o grandioso reflexo que produz na infraestrutura social.
Conceituado a greve, temos então, elementos suficientes para fazermos o nosso juízo próprio quanto a correta nomenclatura jurídica a ser dada a paralisação dos profissionais do transporte, que vem ocorrendo em nosso país.
Nesta seara, na última semana, vimos noticiado na grande mídia que o Governo Federal, por meio da Polícia Federal e dos Ministérios correlacionados, que instaurará procedimento investigatório para apurar a existência do “Lockout”.
Para melhor entendermos, segundo o doutrinador Amauri Mascaro do Nascimento[5], lockout é a “paralisação das atividades pelo empregador, como forma de solução de um conflito, ato autodefensivo previsto em alguns sistemas jurídicos, simplesmente tolerado em outros”.
Já Maurício Godinho Delgado[6], define: Lockout é a paralisação provisória das atividades da empresa, estabelecimento ou seu setor, realizada por determinação empresarial, com o objetivo de exercer pressões sobre os trabalhadores, frustrando negociação coletiva ou dificultando o atendimento a reivindicações coletivas obreiras.
No mesmo sentido, interessante se faz a definição de Sérgio Pinto Martins[7], que traz como sendo lockout “(...) a paralisação realizada pelo empregador, com o objetivo de exercer pressões sobre os trabalhadores, visando frustrar negociações coletivas ou dificultar o atendimento de reivindicações”.
Já a doutrina divergente, como o caso de Segadas Vianna[8], entende como impossível considerar o lockout como um tipo de greve, uma vez que inexistente o conflito de interesses entre os empregadores e os trabalhadores. Para esta parte da doutrina o instituto em discussão é apenas um abuso do poder econômico patronal, uma vez que detém meios de produção e capital, sendo a parte mais forte na relação laboral.
Neste sentido, de fácil entendimento se faz a lição do professor Segadas Viana[9] no que tange a diferenciação entre os institutos de greve e lockout, especialmente no que tange as fundamentações éticas: A greve, após a declaração, cria para o trabalhador a livre escolha entre trabalhar ou não. O lockout atinge a todos os empregados da empresa, indistintamente. A greve, do ponto de vista socioeconômico, possui um valor ético que não se manifesta com a mesma intensidade no lockout. Este é uma manifestação do poder econômico.
O caput do art. 17 da Lei de Greve definiu o lockout sendo como “(...) a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociações ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados”.
Há o entendimento por parte dos doutrinadores que o lockout não é uma greve, mas sim uma forma de pressionar as autoridades, visando alguma vantagem econômica, como exemplo disto, temos a referida “greve” no setor de transportes, arcadas pelos trabalhadores, autônomos ou não (empresas de transporte), com o intuito final de forçar Administração Pública a promover politicas publicas em benefício da classe.
Todavia, o lockout não é o fechamento total da empresa pela parte patronal, mas sim aquela “parte” que se paralisa e é utilizada para a pressão com intuito de prejudicar, dificultar as negociações coletivas com a classe obreira. Não se admitindo desta forma como lockout a falência, ou encerramento da atividade empresarial, por ato de autoridade administrativa.
Considerando que o Brasil um país democrático, onde a liberdade de expressão é garantida sem distinção, surge uma interessante indagação, o porquê do lockout ser proibido pela legislação brasileira?
Como resposta, a definição de Maurício Godinho Delgado[10] traz que essa proibição encontra fundamento na necessidade de se evitar o desequilíbrio nas relações jurídicas, que poderia surgir em razão da maximização de poder do empregador.
Assim, conclui-se que lockout é a paralisação patronal, seja ela para dificultar a negociação com a classe trabalhadora, o que, salvo melhor juízo, não está ocorrendo até o momento, visto que as reivindicações alcançam a toda a classe, ou seja, a autônomos e empregados.
Neste norte, salvo melhor juízo, a meu ver, a paralisação existente não pode ser considerada lockout, uma vez que não há qualquer pressão e/ou represália de eventuais determinações patronais em “batalha e/ou negociação” com a classe trabalhadora, mas sim, um movimento de protesto em face da ausência de politicas públicas em prol da classe.
(*Rafael Antonio Scaini, advogado em Campo Grande - MS, é pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela LFG-Uniderp, atuante nas áreas Civil, Trabalhista, Administrativo, Tributário, Empresarial e Eleitoral)
[1] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 889.
[2] CASTILLO, Santiago Pérez Del.O direito de greve. 1. ed. São Paulo: LTr,1994 . p.11.
[3] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. Cit. p. 892, nota 1.
[4] DELGADO. Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004. p.1405.
[5] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. Cit. P.903
[6] DELGADO, Mauricio Godinho. Op. Cit. p.1406
[7] MARTINS, Sergio Pinto. Op. Cit. p. 768
[8] VIANNA, Segadas et al. Op.Cit. p.1253
[9] VIANNA, Segadas et al. Op.Cit. p.1253
[10] DELGADO, Mauricio Godinho. Op. Cit. p. 1409
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Postado por: Rafael Scaini (*), 28 Maio 2018 às 12:00 - em: Falando Nisso