A migração testa nossa humanidade Marcos Emílio Frizzo (*)

A migração testa nossa humanidade

A globalização não diminuiu os abismos econômicos e tecnológicos no mundo. Pelo contrário, a desigualdade acelerou na última década, condenando algumas populações à realidade de uma herança de exclusão. 
 
A miséria hereditária não é apenas a falta de oportunidades, ela vem acompanhada da má nutrição e da violência na infância, condições que marcam o sistema nervoso dos indivíduos. A pobreza extrema gera cicatrizes biológicas que podem ser transmitidas de pais para filhos. Além disso, hepatite C, tuberculose resistente, doenças sexualmente transmissíveis, entre outras patologias, avançam em populações marginalizadas. 
 
Na busca por melhores condições de vida, pessoas se sujeitam a perigosas travessias, e correntes migratórias aumentam, tanto no hemisfério Norte quanto no Sul. Dispostos a atravessar o Mediterrâneo ou a selva de Darién, os migrantes não levam apenas seus sonhos, carregam também as mazelas da sua privação. Entregam suas vidas nas mãos de contrabandistas e, muitas vezes, acabam como vítimas dos traficantes de seres humanos. Mesmo aqueles que cruzam a fronteira brasileira, atraídos por uma proposta de trabalho, podem desaparecer na clandestinidade, vítimas do trabalho escravo. 
 
A repatriação forçada ou cercas de arame farpado não impedirão os fluxos migratórios daqueles que fogem dos bolsões de pobreza. É da natureza humana fugir da dor e do sofrimento. O planeta está repleto de janelas por onde excluídos idealizam um futuro melhor, mas não existem portas de acesso. 
 
Independentemente das leis de deportação e dos bloqueios nas fronteiras, a biologia humana continuará sofrendo ação da exclusão e da pobreza. A desigualdade de oportunidades, quando extrema e prolongada, tem consequências físicas e psicológicas. 
 
Uma reflexão sobre este cenário perverso é mais do que necessária. Antigos colonizadores precisarão revisitar o seu passado e considerar suas responsabilidades perante as migrações contemporâneas na intenção de encontrar meios para tornar o mundo melhor às pessoas de todos os lugares e nacionalidades. 
 
(*Marcos Emílio Frizzo é escritor, professor universitário, PhD em Neurociências e autor do livro “Contrabandistas de sonhos e traficantes de vidas”)


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Postado por: Marcos Emílio Frizzo (*), 29 Outubro 2024 às 11:45 - em: Falando Nisso


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