Dante Filho (*)
A importância de ser prudente
Toda vez que surge no Brasil uma polêmica na área dos costumes, tem-se a nítida impressão de que parcela da sociedade – os inteligentes, os detentores da verdade histórica e da sabedoria universal – entram numa espécie de convulsão mental e dividem o mundo entre aqueles que são “contra” e “a favor” de alguma coisa. Não há espaço para qualquer análise ou reflexão sobre as chamadas zonas cinzentas da vida. No fim, tudo se resume a argumentos. Quem está certo? Quem está errado? É cansativo. Mas é a democracia.
Nas últimas semanas, não lembro a passagem de um único dia em que não me perguntaram se era “contra” ou a “favor” da redução da maioridade penal no Brasil. Pergunta ociosa. Principalmente quando o assunto faz parte de uma questão fechada por Dom Eduardo Cunha, o novo imperador do País.
Mesmo assim, fica aberta a possibilidade dos cidadãos opinarem sobre o tema. As pesquisas apontam que quase 90% da população deseja algum tipo de redução da maioridade dos 18 para 16 anos. Isso, contudo, não quer dizer muita coisa.
Nas sociedades abertas, pessoas mudam de opinião conforme o dinamismo dos fatos. Os dados acerca da criminalidade nesta faixa etária ainda são precários. Os estudos científicos sobre o desenvolvimento do cérebro de adolescentes são uma questão em aberto. Um homem e uma mulher podem ser idiotas em qualquer fase de suas vidas.
Fico tentado a perguntar: a definição de um momento da existência de um ser humano pode servir de elemento discricionário para responsabilizá-lo por qualquer ato (criminoso ou não) que ele possa cometer? Se isso tiver alguma metodologia ou rigor experimental, qual a razão de se estabelecer que a maioridade ocorra aos 18 anos e nãos aos 17 anos e 11 meses, ou, ainda, aos 16 e três meses, 15 anos e 11 meses etc, etc, etc?
Muitos dirão que o estabelecimento dos 18 anos provém da experiência e dos costumes morais sedimentados ao longo do tempo. O problema é que a sociedade muda. Às vezes para melhor, outras para pior. Sabemos tanto sobre o desenvolvimento cerebral quanto o funcionamento das galáxias.
O critério cronológico, convenhamos, pode não ser o melhor para definir qual tipo de pessoa deve ser encarcerada ou ter sua liberdade restringida pelo Estado. Da mesma forma, é muito complicado adotar um critério pelo tipo de crime cometido, pois qualquer um sabe a diferença entre ser preso fumando um baseado ou por ter assassinado com requintes de crueldade outro ser humano.
O fato é que a criminologia devia ser individualizada e analisada caso a caso, com apoio especializado de inúmeros setores do conhecimento. Mas dos lírios não nascem as leis, escreveu Drummond, nem juízes e promotores dominam sozinhos o conhecimento da complexidade humana.
Por isso é preciso perguntar para os cidadãos se eles topam pagar por sistemas judiciais abrangentes (e caros) demais - e que, mais importante, se isso é garantia que tenhamos comunidades pacificadas ao longo do tempo. Tudo é muito difícil nesta área porque medidas devem ter validade práticas, às vezes experimentadas por muitas décadas, o que gera grandes impaciências sociais, principalmente quando aparece um crime midiático de alta potência.
Enquanto os padrões civilizatórios não se alteram, viveremos essa coisa disforme que ocupa o centro do nosso debate. Aqueles que vêem a oportunidade de se mostrarem progressistas, “gente bacana e sensível”, levantam suas questões, pois entendem que reduzir a maioridade para 16 anos é retrocesso e aprofunda a barbárie do sistema penal brasileiro. As vozes contrárias, ao mesmo tempo, proclamam seu respectivo senso de responsabilidade e realismo para dizer que o combate ao crime tem que ter respostas diretas, pois a “maioria da sociedade” assim demanda.
De certa maneira, os dois lados tem suas razões. A nova lei – aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados - poderá criar brechas, transformando a necessidade de justiça em mero mecanismo de higienismo social, pois a clientela preferencial desse modelo será mais uma vez os pobres, pretos e putas. Ao mesmo tempo, ela poderá também gerar uma discussão abrangente, que transformará a redução da idade penal num fator de contenção psicossocial pela idéia de que a repressão do Estado recrudesceu a impunidade numa determinada faixa etária.
Não sabemos o que vai acontecer. Vamos navegar em outras águas. Neste momento, somos obrigados a conviver com este fluxo de idéias tortas, onde todos gritam e ninguém tem razão. A garotada “progressista” e a rapaziada “conservadora” deviam baixar a guarda e dar uma chance para que a racionalidade e a prudência resolvam o problema. O resto será apenas pose.
(*Dante Teixeira de Godoy Filho é jornalista militante em Campo Grande MS - dantefilho@terra.com.br)
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Postado por: Dante Filho (*), 07 Julho 2015 às 13:00 - em: Falando Nisso