Dante Filho (*)
A história que cada um constrói
É inescapável: Delcídio é o assunto. O assunto é Delcídio. Em todos os cantos seu nome é repetido, causando assombro e perplexidade. Não celebro nem lamento sua prisão. O ocaso de um homem basta a si mesmo.
Na verdade, não existe um único Delcídio – sua vida se subdivide nas histórias que conta e que são contadas sobre ele. A narrativa que, aos poucos, o senador foi construindo para o consumo da sociedade sul-mato-grossense – principalmente na famosa CPI dos Correios – era a de um político capaz de contrariar grandes interesses e fazer prevalecer o senso ético. Colou por um tempo.
Mas seu percurso sempre foi cheio de buracos. O primeiro salto relevante de Delcídio foi quando ele ocupou interinamente o cargo de Ministro das Minas e Energia durante o Governo Itamar Franco. Também percorreu postos importantes de direção na Eletrosul e Petrobras. Em seguida, despontou nas articulações nos processos de privatizações que começaram a ocorrer no Governo FHC.
Delcídio – corumbaense da nata e “cidadão do mundo” – voltou em grande estilo ao Mato Grosso do Sul em meados dos anos 90. Foi apresentado à sociedade pelo colunista Dácio Correa. Vendeu ao ex-governador Wilson B. Martins uma imagem de influência e recursos para bancar uma candidatura ao Governo do Estado. Ensaiou uma filiação ao PSDB.
Virou celebridade imediata. Wilson desconfiou. Foi assim que numa famosa convenção partidária, ocorrida no antigo plenário da Câmara de Vereadores de Campo Grande, na qual ele esperava ansioso o discurso do governador que, finalmente, anunciaria a escolha de seu nome para disputar a governadoria, que Delcídio viu que a coisa não seria tão fácil. Wilson enterrou seu projeto com uma única frase: “Delcídio, ainda não chegou a sua vez”.
O resto é história. Zeca do PT entrou de viés num processo de divisão das elites locais e ganhou o pleito. Delcídio submergiu. Tentou, mais uma vez, ingressar no PSDB, mas foi impedido pelo ex-governador Puccinelli e pela ex-senadora Marisa Serrano.
Acabou filiando-se ao PT. Ninguém entendeu: o que estava fazendo aquele burguesote, criado na estufa do tucanato, liberal e entendido em administração avançada dentro de uma agremiação de esquerda?
Agora, finalmente, tem-se a resposta: fazendo negócios num sistema onde o capitalismo extrativista fincou raízes profundas aliando-se ao populismo patrimonialista. Ou seja: ao contrário do que se pensava, ideologicamente, Delcídio estava em casa, no conforto de suas habilidades, fingindo ser uma coisa e fazendo outra.
Assim, ele foi eleito senador e tentou ser governador do Estado por duas vezes. Notabilizou-se como o “homem que trazia recursos” do Governo Federal para o Mato Grosso do Sul.
Com isso, fortaleceu-se politicamente na base da formação de alianças clientelísticas, montando subgrupos de apoio em todos os partidos, canibalizando siglas, fechando acordos inusitados e apresentando-se como um político acima das querelas locais. Nascia o “senador de todos”.
Nas últimas eleições, tentou seu lance mais ousado: fechar uma aliança inédita com o PSDB, prometendo ao partido uma vaga de senador, de dois deputados federais e de alguns deputados estaduais, num esquema de poder que lhe garantiria vida longa de reinado.
A cúpula do tucanato se entusiasmou. A militância média e intelectualizada do partido remoeu-se de dor, considerando a ideia surreal. Mas poucos abriram o bico. Prevaleceu a política do “sim, senhor”.
Foi assim que Delcídio começou a integrar uma das mais interessantes iniciativas partidárias do PSDB (“Pensando o Mato Grosso do Sul”), percorrendo o Estado na caravana capitaneada por Reinaldo Azambuja. Nas reuniões de bastidores da direção do tucanato, a presença ostensiva de Delcídio naqueles eventos era tida como a “jogada política mais genial de todos os tempos”.
Quem enxergava aquilo como a maior “burrice” da história do partido, moitava porque tinha medo de ser visto como inimigo. Mas os fatos carregam as próprias circunstâncias do destino: PT nacional vetou a aliança com o tucanato local e, logo em seguida, estourava a Lava-jato, envolvendo Delcídio e Nestor Cerveró no escândalo da compra da refinaria de Pasadena.
O PSDB, numa jogada certeira, optou por candidatura própria e afirmava, para efeito de marqueting, que não poderia se aliar com personagens envolvidas em nebulosas transações.
Como se sabe, a onda antipetista derrotou Delcídio. Ele voltou ao senado e foi escolhido líder do Governo na Casa. Tornou-se uma das figuras centrais do atual momento histórico. Até que, por um descuido, tropeçou em seu próprio ego e caiu nas mãos da PF. Agora, promete levar muita gente com ele. Se bobear, arrasta o Governo Dilma junto. Enfim, uma história que começou com a vaidade e terminará com rancor.
(*Dante Teixeira de Godoy Filho é jornalista militante em Campo Grande MS - dantefilho@terra.com.br)
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Postado por: Dante Filho (*), 30 Novembro 2015 às 12:20 - em: Falando Nisso