Dante Filho (*)
A festa na casa dos outros
Pergunto a um amigo do PT qual a razão de Lula se expor como idiota, pronunciando aquela frase infeliz – “não existe ninguém mais honesto do que eu neste País...” -, transformando-se em piada instantânea no País inteiro. A resposta foi mais ou menos a seguinte: petistas sempre fizeram oposição cerrada a qualquer governo e se acostumaram com bravatas, ou seja, falar qualquer maluquice que pudesse causar impacto, achando-se inimputáveis.
“O problema era o arrependimento no dia seguinte”, comentou, mas “os discursos eram diluídos, todo mundo esquecia e a gente seguia em frente porque percebia que repercutia. Virou um cacoete”.
Volto a insistir: “você acha que Lula se arrependeu de ter dito aquela frase depois da repercussão negativa”. Resposta: “com certeza, mas sua assessoria deve ter achado que no momento temos que ocupar espaço na mídia, mesmo que as pessoas falem mal, pois a questão é manter polêmicas desviantes porque o problema real ainda não se conseguiu resolver.
“Qual o problema real?”. No que o amigo me responde de maneira seca: “Lava- jato”.
Bem, minhas conversar com a turma do PT tem hora certa para acabar. Estender por muito tempo - e com muitos argumentos - questões que afligem o partido e sua militância sempre termina em bate-boca ou aborrecimentos mútuos. Ninguém gosta de ser acuado quando vive um mau momento. E, ademais, acho que toda a amizade vale a pena quando a alma não é pequena.
Na verdade, nunca senti esses incômodos na pele porque no jornalismo é conveniente respeitar todos os pontos de vistas, pois cada opinião carrega em si informações preciosas para se compreender a realidade. Colher na praça pedaços dispersos de visões sobre o mesmo fato trata-se de experiência enriquecedora, porque nos liberta do chamado pensamento único.
No fundo, o problema não é a ideologia nem o partidarismo; o problema é o governismo e seus antípodas. Isso é o que está gerando dissidências entre amigos, familiares e militâncias, gerando contradições imensas. Vivemos a era da falência do sistema de representação fundado na revolução francesa e não conseguimos encontrar algo que mantenha a democracia representativa dentro de pressupostos válidos.
Governantes e governos de ocasião ainda não perceberam que estão aí para dar seguimento à marcha histórica que nos leve a sociedades melhores, gerando pessoas melhores e mais hábeis.
O poeta e filósofo polonês Czeslaw Milosz tem uma ideia interessante, publicada em 1953, que nos remete à força negativa do governismo: cria-se uma “atmosfera coletiva, resultante de uma troca e recombinação de fluidos ruim, gerando uma aura de força e tristeza, de paralisia interna e mobilidade externa”, no qual os seres humanos mergulham num universo de estreiteza mental, sem conseguir perceber com clareza o movimento da vida.
Na minha opinião, Lula disse aquela bobagem porque não conseguiu reprogramar-se, rasgando a fantasia e abrindo-se para outra realidade, onde os padrões informativos estão mais elevados, a acessibilidade aos fatos é maior, e o senso crítico das grandes massas está mais exacerbada.
Ele pensa que o povo ainda é o mesmo daquele tempo das grandes assembléias de São Bernardo. Lula falava e o mundo parava. Não digo que não seja ainda assim na essência de certos nichos sociais, mas o pluralismo é maior, o desassossego é mais intenso, e o medo de falar o que se pensa está diluído. Claro que o excesso de informações a que temos acesso aumenta a ignorância e embrutece o palavreado ofensivo nas redes, no trabalho, dentro de casa, mas ainda estamos in progress, não temos certeza onde isso vai dar.
O fato é que esse clima anticorrupção que se criou - e de valorização das instituições de reação (Ministério Público, Polícia Federal, Judiciário etc) que está se criando - poderá gerar outro País, melhor e mais inclusivo. Se o Brasil perder-se na operação Lava Jato talvez demore mais cinqüenta anos para encontrar o eixo que possa nos levar a um patamar acima.
Lula e o PT perderam essa percepção porque estão mergulhados no governismo. Esqueceram que vivem num País diferente. Eles estão individualizando o processo. É compreensível. Ninguém gostaria de passar os últimos anos de vida na cadeia ou sendo admoestado em restaurantes. A festa sempre é boa na casa dos outros. Quando acontece em nosso ambiente, fazer depois a limpeza e colocar as coisas em ordem não é fácil.
Muitos países só começaram a se desenvolver depois de apostar no fortalecimento de suas instituições. Os intelectuais deveriam ler mais sobre a Revolução Gloriosa, ocorrida na Inglaterra em 1688, na qual se derrubou o absolutismo de Jaime III, dando origem à democracia que hoje conhecemos. Levou mais de 300 anos, mas no final valeu a pena.
(*Dante Teixeira de Godoy Filho é jornalista militante em Campo Grande MS - dantefilho@terra.com.br)
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Postado por: Dante Filho (*), 25 Janeiro 2016 às 14:30 - em: Falando Nisso