A advocacia não é profissão para covardes André Fredo (*)

A advocacia não é profissão para covardes

“A advocacia não é profissão de covardes”. Com esta afirmação, o advogado Heráclito Fontoura Sobral Pinto (1893-1991), árduo defensor dos direitos humanos e da democracia, engrandecia e encorajava a advocacia nacional, última trincheira na luta pelo retorno das liberdades durante a ditadura militar. Muito embora não mais estejamos sob um Estado de Exceção, o conteúdo do lema atribuído a Sobral Pinto se demonstra atualíssimo.
 
O novo advogado que hoje chega às trincheiras do mercado de trabalho se defrontará com profundas transformações estruturais e culturais que o atingirão diretamente, demandando uma reinvenção do modo com que se relacionarão com os seus clientes, com a administração da Justiça e com os colegas de profissão.
 
Essa constante – e irreversível – mutação da advocacia é creditada a múltiplos fatores, dentre eles as grandes transformações ocorridas nas áreas econômicas, políticas e sociais, o rápido avanço tecnológico, o fenômeno da globalização, ou, ainda, pelo considerável número de bancas atuantes no denominado “contencioso de massa”, tipo de advocacia cada vez mais comum no país.
 
Em tais escritórios, para dar conta do grande volume de processos — principalmente a defesa de grandes empresas em ações trabalhistas e de direito do consumidor – há a necessidade de contratação de dezenas, em alguns casos centenas, de advogados, que trabalham com metas a cumprir e precisam atender determinado número de manifestações processuais antes de encerrar o expediente, ou seja, atuam como advogados empregados.
 
Deveras, na maioria dos casos, tais escritórios assemelham-se mais a uma linha de produção jurídica, ou verdadeiras empresas de prestação de serviços advocatícios, muito distantes do modelo de advocacia artesanal e personalizada tradicional.
 
De outro lado, encontramos os milhares de novos advogados que adentram ao mercado de trabalho a cada novo Exame de Ordem. Segundo o sítio do Conselho Federal da OAB, ultrapassamos a marca de um milhão, o que coloca o Brasil entre os países com maior densidade de advogados em relação à sua população no mundo. Não por acaso, também somos o país com o maior número de cursos de direito no mundo. São 1.174 cursos de graduação na área. Nos Estados Unidos são 280, e no Reino Unido, 95, segundo a OAB.
 
Nesse contexto, a advocacia de porte, como também é conhecida, é um modelo que contribui, em muito, na absorção de centenas de novos advogados que chegam ao mercado de trabalho e encontram nestes escritórios a oportunidade de ter a sua primeira experiência profissional, contribuindo, assim, com o crescimento da própria advocacia e da economia do país.
 
Contudo, se é verdade que nem todos os inscritos na OAB dependem da advocacia para sustentar a si mesmo e à sua família, bem como também é verdade que, dentre aqueles que vivem exclusivamente da advocacia, há inúmeros exemplos de sucesso dignos de admiração por parte da sociedade em geral e dos colegas em particular; em contrapartida, no que diz respeito aos advogados empregados, se faz necessária uma reflexão.
 
Antes, quem é o advogado empregado? Sem nos esquecer dos advogados públicos, cujo regime jurídico é diferenciado, o advogado empregado é aquele que, por opção ou circunstância, se submete a um contrato de trabalho com vínculo de emprego nos moldes estatuídos pela Consolidação das Leis do Trabalho.
 
O próprio Estatuto da Advocacia e da OAB previu a figura do advogado empregado (Lei n. 8.906/94, Título I, artigos 18 a 21). Ressalte-se, todavia, que a relação de emprego não lhe retira a isenção técnica nem reduz a independência profissional indissociáveis do exercício da advocacia.
 
De fato, em razão das constantes modificações por que passa a profissão, o advogado empregado é um fenômeno que tem se tornado predominante na advocacia brasileira, sobretudo nos escritórios que prestam serviços jurídicos por meio do “contencioso de massa”.
 
Contudo, essa parcela da advocacia, em sua quase totalidade em início de carreira, submetida que está exclusivamente às leis do mercado e do crescente desemprego estrutural (como em qualquer profissão), vê-se à mercê das injustiças praticadas no concorrido mercado de trabalho, a exemplo do alto índice de informalidade, submetendo-se a padrões remuneratórios desproporcionais e não condizentes com a dignidade da profissão.
 
Ocorre que, ainda que contratado para prestar seus especializados serviços de forma subordinada, o advogado, no seu ministério privado, presta um serviço público e exerce atividade indispensável à administração da justiça.
 
Nesse sentido, mesmo que o advogado atue no âmbito de relações privadas, como empregado ou no âmbito de um contrato de prestação de serviços advocatícios, reconhece-se a função social que desempenha a bem do Estado Democrático de Direito. 
 
Portanto, atentarmos-nos às condições de trabalho a que estão submetidos os novos advogados é condição necessária para que tenhamos uma advocacia cada vez mais valorizada e comprometida com a busca da Justiça e a construção de uma sociedade livre e solidária.
 
(*André Luiz de Jesus Fredo é advogado, professor universitário e palestrante. É conselheiro suplente da OAB-MS gestão 2016/2018 e preside a Associação dos Novos Advogados - ANA-MS gestão 2018/2019).


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Postado por: André Fredo (*), 27 Fevereiro 2018 às 11:15 - em: Falando Nisso


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