1992 Dante Filho (*)

1992

Rodo a moviola mental e tento me lembrar onde me encontrava quando o impeachment de Collor entrou na pauta do dia. Não adianta: poucas imagens ficaram na memória. Esfrego minhas retinas cansadas: a capa da Veja com a entrevista de Pedro Collor. A foto de José Dirceu com punhos cerrados na Folha de São Paulo. As manifestações de rua dos caras-pintadas sob o comando de Lindberg Farias. O susto da população com as cascatas da Casa da Dinda. As revelações do motorista Eriberto França. O golpe de mestre de Renan Calheiros. A cara de jagunço de PC. Enfim, pouca coisa, alguns flashes, sombras esparsas. 
 
Muitos personagens daquele episódio são os mesmos dos dias que correm, embora com posições trocadas. Os fatos de ontem são diferentes dos de hoje, mas na essência tudo se resumia a dinheiro, interesses escusos, traficâncias de poder. Neste aspecto, pouca coisa mudou no Brasil. 
 
Claro, no tempo de Collor houve uma narrativa novelesca, uma saga familiar psicopatológica, baixarias, saco-roxo, dramas de alcova. A democracia era nascente, o presidente era um notável coxinha, a direita estava atônita e a esquerda perplexa. 
 
Chegou um momento em que Collor se resignou. Estava isolado. Foi nesse momento que vivemos o fundo do poço: traições conjugais, ritos de magia negra, uso de drogas, assassinatos estranhos, enfim, o governo entrou na fase do dramalhão mexicano; não se sabia o que era real ou fantasia, alucinação ou fatos. 
Tudo era falado com naturalidade. A imprensa divulgava acontecimentos delirantes e todos embarcamos na onda porque havia um desejo sincero de tirar um maluco da presidência da República. Estávamos cansados de sonhos, queríamos a realidade. 
 
Nos últimos meses daquele ano (Collor renunciou em 29 de dezembro) as atenções se voltaram para o Supremo. Havia sofreguidão, ansiedade, medo. Teorias conspiratórias indicavam que a presidência estava comprando tudo e todos, distribuindo cargos, aspergindo dinheiro, manobrando os intestinos da burocracia. 
 
O processo começou a degringolar conforme foi se aproximando a data para o julgamento do pedido de impedimento de Collor na Câmara dos Deputados. Depois disso, por mais que me esforce não consigo me lembrar de mais nada. Só consegui saber como os fatos se desdobraram quando li, mais tarde, o livro-chave do jornalista Mario Sérgio Conti, “Notícias do Planalto”, que conseguiu eviscerar de maneira surpreendente os detalhes daquele fato histórico.
 
Aprendi a lição: o tempo carrega consigo verdades ocultas. Por isso, olho para os acontecimentos atuais me perguntando todos os dias o que ficará retido na memória desses inacreditáveis idos de abril, o mais cruel dos meses...
 
(*Dante Teixeira de Godoy Filho é jornalista militante em Campo Grande MS - dantefilho@terra.com.br)
 


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Postado por: Dante Filho (*), 08 Abril 2016 às 17:30 - em: Falando Nisso


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