Falando Nisso









Cinco horas e trinta minutos da manhã de segunda-feira, acordei para mais um dia de trabalho. Como de costume deixei a esposa e filha dormirem mais alguns minutos e fui fazer o café. Enquanto esquentava a água liguei a TV e comecei a sintonizar os telejornais. No primeiro, um susto. As imagens mostravam cenas de carros de combate, caminhões, aviões e helicópteros das forças armadas; viaturas de polícia e muitos militares nas ruas de todas as capitais brasileiras. Nas letrinhas miúdas que aparecem na parte inferior do televisor lia-se “Militares depõem o presidente da República Michel Temer, o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia, e o presidente do Senado Eunício Oliveira. Tudo foi planejado no final de semana”. Meu Deus! Um novo golpe militar? Uma nova ditadura no Brasil? Sim! Não tinha mais jeito. Também pudera, com um monte de gente sem conhecimento histórico clamando pelo retorno dos generais ao comando do País.
 
Preocupado, corri para o quarto e acordei minha esposa para dar a triste notícia. Somos professores de História e amantes da democracia e da justiça social. Sempre comentávamos em casa, nas escolas, o perigo de um retorno dos métodos bárbaros e criminosos que acompanham uma ditadura militar. Naquele momento a água para o café fervia e junto com ela minha cabeça, devido às preocupações com o futuro da nação, dos movimentos sociais em defesa dos excluídos, da minha pequena Ana Clara, com o meu futuro. Logo eu que sempre escrevi artigos criticando ditaduras de esquerda e de direita, publiquei um livro onde descrevi sobre alguns aspectos do regime militar por aqui. Eu que milito no sindicato de trabalhadores da educação. Veio-me a mente os companheiros dos SIMTEDs e da FETEMS. O que vai ser desse povo? Companheira Mariquinha, coitada. Pequena de estatura, mas grande na coragem para lutar. Um soldado sozinho a leva para o camburão.
 
Seguimos para o trabalho. Quando passávamos pela Avenida 9 de Julho fiquei ainda mais estarrecido, várias pessoas a desfilar em seus carros, motos, bicicletas, caminhões. Muitos deles a exibir adesivos e cartazes com a inscrição “Bolsonaro 2018”. Entre os gritos daquele povo, ouvia-se: “acabou a corrupção!” “Fora Temer!” “Lula na cadeia!” “Morte ao PT!” “Volta escravidão!” “Fora Bolsa Família!” “Superioridade do povo branco!” Que loucura.
 
Ao chegarmos à escola as forças policiais cercavam-na. “Por enquanto nenhum funcionário entra!”, dizia um agente. Fiquei sabendo que só iríamos entrar após a realização de um levantamento ideológico de cada profissional. Era o projeto da escola sem partido em seu primeiro dia de funcionamento. Os estudantes, a maioria deles, ainda bem, estavam preocupadíssimos com aquela situação. Outros vibravam e exclamavam: “Eu falei, um dia essa bagunça iria acabar!”. “Agora vocês vão ver o que é bom!” “Somos patriotas!” “Fora comunistas!” Era o fim da picada.
 
Naquele dia as notícias surgiam a todo instante. Informações desencontradas, ninguém se entendia. A situação ficou mais séria quando todos os telejornais entraram ao vivo para anunciar o novo presidente da República, ou melhor, os novos presidentes da República. O Brasil passaria a ser administrado por 3 homens poderosos das forças armadas. Empossados, a primeira medida tomada por eles foi bloquear, com exceção dos presidentes, por tempo indeterminado, a internet. No interior das emissoras de rádio, televisão, jornais impressos e eletrônicos policiais vigiavam tudo. As notícias só seriam divulgadas após a comissão da censura averiguar os textos, imagens, áudios e vídeos.
 
Às onze horas e trinta minutos fomos dispensados da escola.  Tentei acessar a internet, mas o sistema estava fora do ar. Na TV o Jornal Hoje cobria o golpe de 2017. Ao final dele a parte que me preocupou ainda mais. Um dos presidentes acabara de dar uma notícia extra, a de que a partir das 13 horas começariam as prisões dos militantes de esquerda moderada e radical, fosse de partido político ou sindicato, e também de todos aqueles que defendessem liberdades individuais e mecanismos para reduzir a concentração de renda no Brasil, sem necessariamente se posicionar à esquerda. As casas destes seriam invadidas e, principalmente os computadores, tablets e celulares seriam levados para as delegacias para serem periciados. Meu coração quase salta pela boca. Lembrei-me que no meu PC havia um acervo de vídeos do PCB-MS, os quais me foram repassados por meu ex-orientador do mestrado para serem catalogados e arquivados no Centro de Documentação Regional da UFGD. E agora?!
 
De repente ouço um barulho. Minhas pernas tremeram. Era o despertador do celular. Eram cinco horas e trinta minutos da manhã. Hora de acordar para mais uma vez lecionar História. Ufa! Que alívio! Foi apenas um sonho. Sonho? Um pesadelo! E que pesadelo. Que bom, apesar de bem surrada, nossa democracia ainda respirava.
 
Qualquer semelhança entre este texto e uma possível realidade futura parecida com a que foi descrita aqui pode não ser mera coincidência. DITADURA NUNCA MAIS!
 
(*Wagner Cordeiro Chagas é professor-mestre de História em Fátima do Sul - MS e autor do livro As eleições de 1982 em MS - Life Editora 2016)




Uma curiosidade nascida nos bancos escolares pode mudar para sempre a vida de um estudante. Foi o que aconteceu comigo. No ano de 2002, quando cursava o 2º do ensino médio na Escola Estadual Izabel Mesquita, da cidade de Fátima do Sul, minha turma participou de um projeto de pesquisa, as saudosas aulas de projeto, política da Secretária de Educação da gestão Zeca do PT. Naquela empreitada, professores, coordenação, direção escolar, funcionários administrativos e comunidade uniram-se para nos auxiliar nos trabalhos que deveríamos fazer a respeito da história de Mato Grosso do Sul. Lembro-me que o grupo do qual participei ficou responsável por tratar da temática dos governadores deste estado. O resultado foi excelente e para mim algo que despertou curiosidade pela história política estadual, além de me levar a ter uma visão diferenciada da política e suas dinâmicas.
 
Ao longo daqueles meses de aulas e pesquisas entrei em contato com duas referências bibliográficas a respeito da história sul-mato-grossense. A primeira, um livro, do pesquisador Hildebrando Campestrini, “História de Mato Grosso do Sul”, e a segunda, um texto da historiadora Marisa Bittar, intitulado “Uma Breve História de Mato Grosso do Sul (1977-1999)”.
 
Naquele mesmo ano, um evento marcou minha vida e meus ideais: as eleições gerais no País. Eu já havia participado, aos 16 anos de idade, de uma eleição municipal, a do ano 2000. No entanto, 2002, foi quando dei meu primeiro voto para os cargos de presidente, governador, deputado federal, deputado estadual e senador. Fiquei encantado pelos ideais de esquerda moderada do PT e votei em 4 candidatos do partido: entre eles Lula para presidente e Zeca para o governo.
 
Poder participar daquele momento histórico da chegada de um operário e retirante nordestino ao cargo máximo do Brasil foi sensacional. A partir daquele momento estava decidido a participar das discussões políticas, pesquisar, ler mais a respeito. Gostava muito de conversar com seu Toinzinho, um vizinho, trabalhador rural, com uma história de luta e muitas esperanças de um Brasil justo para todos os seus filhos. Tudo isso associado às minhas origens humildes, filho de proletários urbanos, levaram-me a inclinar pelos ideias de esquerda moderada, onde pude acreditar ser possível melhorar a vida dos mais humildes, dos excluídos de uma nação, sem necessariamente derrubar um sistema, confiscar propriedades particulares ou implantar ditaduras sanguinárias em nome de um ideia.
 
No ano de 2005 veio o ingresso no curso de Licenciatura em História da então UFMS de Dourados, atual UFGD. Lá pude encontrar novos caminhos para a pesquisa histórica, e o que é mais importante aprender a pesquisar de fato, seus métodos, seus teóricos, as dificuldades e as satisfações de ter uma pesquisa concluída, publicada, compartilhada. Entrei em contato com o Centro de Documentação Regional da Faculdade de Ciências Humanas (CDR-FCH/UFGD), local de riquíssimo acervo sobre diversos aspectos de Mato Grosso/Mato Grosso do Sul, como jornais, fotos e livros.
 
Iniciei as primeiras pesquisas em 2007, quando passei a conviver com documentos oficiais do Estado, como as Atas da Assembleia Legislativa e os Relatórios dos Governadores de Mato Grosso do Sul, além do acervo dos jornais O Progresso, Correio do Estado, Diário da Serra e Diário MS. Aos poucos essas pesquisas levaram a outras, até culminar na minha pesquisa de maior amplitude: o trabalho de mestrado, defendido em 2014, referente à primeira eleição direta para governador de nosso estado, ocorridas no ano de 1982. A pesquisa esteve sob orientação de um baita intelectual e meu grande amigo Paulo Roberto Cimó Queiroz.
 
Encerrado o período de 9 anos na universidade continuo inspirado e com desejos de conhecer melhor a respeito de nosso estado. Devido a isso, iniciei em abril deste ano uma série de artigos a respeito das características de cada administração sul-mato-grossense. É importante ressaltar a necessidade de se conhecer nossa história política, pois os processos políticos influenciam na vida de todos nós cidadãos. Nestes textos procuro mostrar a participação não apenas dos gestores nos destinos do estado, mas também da nossa população.
 
Assim, pretendo continuar a colaborar com a produção de conhecimento sobre a história política de Mato Grosso do Sul e se possível despertar a curiosidade de outros estudantes como ocorreu comigo. Nestes 40 anos de criação desta unidade federativa é importante também que as autoridades políticas reforcem seus compromissos com a educação para proporcionar o despertar da curiosidade em todos os nossos estudantes e com isso formar cada vez mais uma geração de cidadãos e cidadãs que vejam os estudos não apenas como meio de satisfação profissional, mas também como caminho da construção de uma sociedade mais justa e humana.
 
(*Wagner Cordeiro Chagas é professor-mestre de História em Fátima do Sul - MS e autor do livro As eleições de 1982 em MS - Life Editora 2016)